Tenho estudado sobre a audiodescrição, principalmente a
elaboração de materiais didáticos audiodescritos, visando à inclusão de pessoas
com deficiência visual (embora a audiodescrição seja voltada às pessoas com
deficiência visual, outros públicos também se beneficiam, como pessoas com
deficiência intelectual, idosos, disléxicos, entre outros).
A audiodescrição é um recurso de acessibilidade em que as
imagens são traduzidas em palavras, ou seja, é possível “ver” a partir da
informação recebida via canal auditivo. Assim, é tanto uma tradução audiovisual
quanto intersemiótica. Ela é utilizada nos mais diversos meios, tanto culturais
quanto acadêmicos.
Assim, o audiodescritor, ao elaborar um roteiro de
audiodescrição, precisa considerar o receptor, a pessoa com deficiência,
considerando as dificuldades de compreensão apresentadas pelo produto a ser
audiodescrito, sem oferecer informações privilegiadas. Assim, conforme pontua
Teles (2014, p. 25), “a audiodescrição tem que ser um mecanismo de mediação
concebido para que cada um possa suscitar suas próprias interpretações, cabendo
ao audiodescritor ser um leitor-modelo a fim de transmitir de maneira clara as
possíveis intenções do produtor audiovisual e fazer com que a pessoa com deficiência
visual faça suas inferências.”
Sabemos que um texto ou uma obra pode ser interpretada de
várias formas, e já que o audiodescritor passa pelo processo de semiose – o texto
ou o produto imagético a ser audiodescrito é permeado pelo não dito, e a
interpretação pode variar de um audiodescritor para outro. Conforme pontua
Teles (2014, p. 26), “Eco, ancorado em Peirce, não nega que a corrente das
interpretações pode ser infinita, mas alerta para que a questão do universo do
discurso intervém para restringir o formato da linguagem a ser adotada.”
Nessa perspectiva, um audiodescritor, ao traduzir um
conteúdo imagético, precisa ter, além do conhecimento das técnicas inerentes à
audiodescrição, o raciocínio abdutivo, visto que, conforme Peirce, é necessário
“estudar os fatos e fazer uma sugestão para explicar o que eles podem ser”, no
caso da audiodescrição dos filmes, por exemplo. Também é preciso ter consciência
que a partir dos signos (tanto da obra em si quanto da audiodescrição), o
receptor irá construir sua interpretação (e possivelmente novos signos), a
partir das relações com suas experiências; faz-se necessário também que a
audiodescrição provoque as emoções, raciocínios e sensações que um vidente
teria ao ver/assistir à obra. Dessa forma, o cuidado com as palavras, o
raciocínio abdutivo e o conhecimento dos pressupostos da semiótica (semiose,
primeiridade, secundidade e terceiridade) corroboram na elaboração de roteiros
de audiodescrição mais precisos, visto que a audiodescrição é um tipo de
tradução e pressupõe escolhas tradutórias.
Referência
TELES, V. C. Audiodescrição
do filme A Mulher Invisível: Uma proposta de tradução à luz da estética
cinematográfica e da semiótica. 2014. 103 f. Dissertação (Mestrado em Estudos
da Tradução). Universidade de Brasília, 2014.
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