Neste
texto faço a relação de alguns pontos entre Peirce e Ausubel no que diz
respeito à aprendizagem. Peirce (1972) relata sobre a necessidade de abrirmos
os olhos e raciocinar a partir do que já sabemos para alcançar algo que não
sabemos, e acredita que o caminho para compreender a lógica está (dentre
outros) na capacidade de traçar inferências, sendo esta a última das faculdades
na qual adquirimos domínio – para ele mais uma arte de aprendizado longo e
difícil do que um dom natural –. Nesse entendimento, o autor cita no seu texto o trabalho de Lavoisier e
seus companheiros em superar a máxima dos químicos antigos de ler e rezar, para
o de experimentar “fazendo emergir uma nova concepção de raciocínio em termos
de algo que deve desenvolver-se estando os olhos abertos, com manipulação de
coisas reais em vez de manipulação de palavras e fantasias” (PEIRCE, 1972, p. 73).
Medeiros
(2009, p. 56) ao discorrer sobre experiência (resultado cognitivo do viver) na
fenomenologia perciana, entende – com base na máxima do pragmatismo – o pensar
o mundo como aparência, isto é, submete-se a análise fenomenológica, e neste
sentido a aprendizagem “se daria no fluxo do tempo sendo, portanto, expressão
da categoria fenomenológica designada por Peirce de Terceiridade”.
Na
teoria de Ausubel a aprendizagem acontece por assimilação em um processo
contínuo e modificações relevantes na estrutura cognitiva “ocorrem, não como
resultado de períodos gerais de desenvolvimento cognitivo, mas de uma crescente
diferenciação e integração de conceitos específicos na estrutura cognitiva”
(MOREIRA, 2006, p. 32). O principal conceito na teoria de Ausubel segundo
Moreira (2006) é processo por meio do qual novas informações (pode ser
entendido como conteúdo escolar) adquirem significado por interação (não
associação) com aspectos relevantes já existentes na estrutura cognitiva. Além
disso, esse processo necessita que o material de aprendizagem seja
potencialmente significativo (possa ser aprendido pela maioria das pessoas) e
haja disposição do estudante para aprender.
Para
a compreensão da aprendizagem na concepção de Peirce – que está na aquisição de
conceito e mudança de conduta, pensamento e ação – é preciso analisar as
categorias fenomenológicas elencadas pelo autor: Primeiridade, Secundidade e
Terceiridade (aqui realizada de forma sintética) – vale ressaltar que Peirce
não exclui a relação as dados experienciáveis da vida, o que permite verificar
as relações entre as características da consciência do mundo interno e a
consciência do mundo externo –. Para Peirce (apud MEDEIROS, 2009, p. 62) na
Primeiridade não há possibilidade de mediação, uma espécie de apreciação
imediata da experiência vivida destituída de referência pretérita e referência
futura, “caracterizada por um estado de consciência no qual se dá a vivência de
uma experiência imediata”. Já a Secundidade predomina na realidade, já que há a
presença de um outro (chamado de alteridade), o não-ego. Para Peirce (apud
MEDEIROS, 2009, p. 63) “a experiência comum está impregnada de Secundidade, é
experiência quotidiana, considerada que seja do ponto de vista da consciência
interna e externa”. Por fim, a Terceiridade é pensada pelo autor numa relação
que faz referência a um processo mediativo. Nesta relação está presente a idéia
de signo como algo que representa alguma coisa diferente dele mesmo (um
objeto), para um terceiro (interpretante). O interessante é que o signo para
Peirce se divide em ícones, índices e símbolos – e que apresenta distinção na
teoria de Ausubel, na qual o signo tem a representação de símbolo – . Neste
sentido a Terceiridade assinala a presença da mediação como forma assumida “pelo
pensamento, nas maneiras através das quais se manifesta qualquer possibilidade
de síntese conceitual” (MEDEIROS, 2009, p. 65). Assim, a mediação na
fenomenologia perciana não fica alheia da experiência pretérita e a da
intencionalidade (referências futuras), isto é, a mediação possibilita-nos
diferenciar quem somos e o que são as coisas, e também, estabelecer relações de
causalidade, o que permite chegarmos às generalizações. Por conseguinte “Se a
experiência, como refere Peirce, ‘é o resultado cognitivo de viver’, uma vez
mais pode-se verificar que ela sofre a força da Terceiridade, que permite
conhecer a relação de choque e ‘força bruta’ da secundidade e a elevar a um
grau inteligível” (Ibidem, p. 66).
Se
para a compreensão de aprendizagem em Peirce as categorias fenomenológicas se
faz presente, para Ausubel a aprendizagem envolve representação, conceito e
proposição. A aprendizagem representacional “Envolve a atribuição de
significados a determinados símbolos (tipicamente palavras), isto é, a
identificação, em significado, de símbolos com seus referentes (objetos,
eventos, conceitos)” (MOREIRA, 2006, p. 25). Na aprendizagem de conceitos os
símbolos são genéricos ou categóricos e possuem atributos criteriais comuns e
são designados, em uma cultura específica, por algum símbolo aceito. Por
exemplo, o símbolo bola (o som ou palavra “bola”) adquire atributos criteriais
comuns a múltiplos exemplos do referente (diferentes tipos de bolas). Já na
aprendizagem proposicional o desafio é aprender o significado de idéias em
forma de proposição, que vai além do aprender significados de palavras isoladas
ou a soma dos significados. Ausubel estabelece ainda outras relações que podem
acontecer na aprendizagem – subordinação, superordenação, combinação,
diferenciação progressiva, reconciliação integrativa e assimilação obliteradora
– porém, não é o objetivo do texto aprofundar a discussão, mas sim apontar de
forma sintética as relações presentes na aprendizagem.
Por
conseguinte, considerando as particularidades existentes entre as influências
teóricas dos autores e a complexidade de tal discussão (e a pouca leitura que
tenho sobre Peirce), percebe-se que a experiência (respeitando as diferenças de
conceito de “experiência” entre os autores) está presente na aprendizagem tanto
para Ausubel quanto para Peirce. Porém, a fenomenologia perciana amplia o que
Ausubel propõe como aprendizagem, já que na semiótica de Peirce (apud MEDEIROS,
2009, p. 65) “os signos se dividem em ícones, índices e símbolos”, enquanto
Ausubel (2000, p. 1) utiliza o termo símbolos
arbitrários, principalmente palavras que representam algum significado para
o aprendiz, isto é, “a uma generalização existente na estrutura cognitiva de
quase todas as pessoas, quase desde o primeiro ano de vida – de que tudo tem um
nome e que este significa aquilo que o próprio referente significa para
determinado aprendiz”, por sua vez Peirce (apud MEDEIROS, 2009, p. 64) esclarece que “A
palavra signo será usada para denotar um objeto perceptível, ou apenas
imaginável, ou mesmo inimaginável num certo sentido”.
Neste
sentido, Peirce apresenta maiores possibilidades de mediação do sujeito
(interpretante) entre o objeto (tudo que exige de nós uma conduta, uma ação) e
o representamen (o que representa algo
para o sujeito). Portanto, quando o sujeito move-se para conhecer o objeto ele
realiza uma mediação na busca de uma generalização do que constitui esse objeto,
isto é, “Esse é o sentido mais radical da máxima, que assegura na generalidade, na idéia geral,
reconhecida pela mediação – terceiridade –, o significado intelectual de nossa
compreensão sobre ele, constitui o próprio objeto.” (COSTA; SILVA, 2011, p. 28)
Referências
AUSUBEL,
D. P. Aquisição e Retenção de
Conhecimentos: Uma Perspectiva Cognitiva. Lisboa: Paralelo Editora, LDA,
2000.
COSTA,
P. S.; SILVA, M. F. A. O método pragmático de Charles S. Peirce. Μετάνοια, São João Del-Rei, n. 13,
2011. Dinsponível: <http://www.ufsj.edu.br/revistalable>. Acesso em: 02 set.
2012.
MEDEIROS,
T. T. Q. A Fenomenologia Pragmaticista de Charles S. Peirce. Prometeus: Filosofia em Revista, v.2,
n.3, p.1-15, 2009.
MOREIRA,
M. A. A teoria da aprendizagem
significativa e sua implementação em sala de aula. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2006.
PEIRCE,
C. S. Semiótica e filosofia. São
Paulo: Cultrix, 1972.
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