O filósofo norte-americano
defendia a democracia e a liberdade de pensamento como instrumentos para a
maturação emocional e intelectual das crianças
Revista Nova Escola -
Especial Grandes Pensadores – Outubro 2008
Texto disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/john-dewey-428136.shtml?page=0#
Márcio
Ferrari
John Dewey
Quantas vezes você já ouviu falar na necessidade de
valorizar a capacidade de pensar dos alunos? De prepará-los para questionar a
realidade? De unir teoria e prática? De problematizar? Se você se preocupa com
essas questões, já esbarrou, mesmo sem saber, em algumas das concepções de John
Dewey (1859-1952), filósofo norte-americano que influenciou educadores de
várias partes do mundo. No Brasil inspirou o movimento da Escola Nova, liderado
por Anísio Teixeira, ao colocar a atividade prática e a democracia como
importantes ingredientes da educação.
Dewey é o nome mais célebre da
corrente filosófica que ficou conhecida como pragmatismo, embora ele preferisse
o nome instrumentalismo - uma vez que, para essa escola de pensamento, as
ideias só têm importância desde que sirvam de instrumento para a resolução de
problemas reais. No campo específico da pedagogia, a teoria de Dewey se
inscreve na chamada educação progressiva. Um de seus principais objetivos é
educar a criança como um todo. O que importa é o crescimento - físico,
emocional e intelectual.
O princípio é que os alunos
aprendem melhor realizando tarefas associadas aos conteúdos ensinados.
Atividades manuais e criativas ganharam destaque no currículo e as crianças
passaram a ser estimuladas a experimentar e pensar por si mesmas. Nesse
contexto, a democracia ganha peso, por ser a ordem política que permite o maior
desenvolvimento dos indivíduos, no papel de decidir em conjunto o destino do
grupo a que pertencem. Dewey defendia a democracia não só no campo institucional
mas também no interior das escolas.
Estímulo à cooperação
Influenciado pelo
empirismo, Dewey criou uma escola-laboratório ligada à universidade onde
lecionava para testar métodos pedagógicos. Ele insistia na necessidade de
estreitar a relação entre teoria e prática, pois acreditava que as hipóteses
teóricas só têm sentido no dia a dia. Outro ponto-chave de sua teoria é a
crença de que o conhecimento é construído de consensos, que por sua vez
resultam de discussões coletivas. "O aprendizado se dá quando
compartilhamos experiências, e isso só é possível num ambiente democrático,
onde não haja barreiras ao intercâmbio de pensamento", escreveu. Por isso,
a escola deve proporcionar práticas conjuntas e promover situações de
cooperação, em vez de lidar com as crianças de forma isolada.
Seu grande mérito foi
ter sido um dos primeiros a chamar a atenção para a capacidade de pensar dos
alunos. Dewey acreditava que, para o sucesso do processo educativo, bastava um
grupo de pessoas se comunicando e trocando ideias, sentimentos e experiências
sobre as situações práticas do dia a dia. Ao mesmo tempo, reconhecia que, à
medida que as sociedades foram ficando complexas, a distância entre adultos e
crianças se ampliou demais. Daí a necessidade da escola, um espaço onde as
pessoas se encontram para educar e ser educadas. O papel dessa instituição,
segundo ele, é reproduzir a comunidade em miniatura, apresentar o mundo de um
modo simplificado e organizado e, aos poucos, conduzir as crianças ao sentido e
à compreensão das coisas mais complexas. Em outras palavras, o objetivo da
escola deveria ser ensinar a criança a viver no mundo.
"Afinal, as
crianças não estão, num dado momento, sendo preparadas para a vida e, em outro,
vivendo", ensinou, argumentando que o aprendizado se dá justamente quando
os alunos são colocados diante de problemas reais. A educação, na visão
deweyana, é "uma constante reconstrução da experiência, de forma a dar-lhe
cada vez mais sentido e a habilitar as novas gerações a responder aos desafios
da sociedade". Educar, portanto, é mais do que reproduzir conhecimentos. É
incentivar o desejo de desenvolvimento contínuo, preparar pessoas para
transformar algo.
A experiência educativa
é, para Dewey, reflexiva, resultando em novos conhecimentos. Deve seguir alguns
pontos essenciais: que o aluno esteja numa verdadeira situação de
experimentação, que a atividade o interesse, que haja um problema a resolver,
que ele possua os conhecimentos para agir diante da situação e que tenha a
chance de testar suas ideias. Reflexão e ação devem estar ligadas, são parte de
um todo indivisível. Dewey acreditava que só a inteligência dá ao homem a
capacidade de modificar o ambiente a seu redor.
Liberdade intelectual para os
alunos
A filosofia deweyana
remete a uma prática docente baseada na liberdade do aluno para elaborar as
próprias certezas, os próprios conhecimentos, as próprias regras morais. Isso
não significa reduzir a importância do currículo ou dos saberes do educador.
Para Dewey, o professor deve apresentar os conteúdos escolares na forma de
questões ou problemas e jamais dar de antemão respostas ou soluções prontas. Em
lugar de começar com definições ou conceitos já elaborados, deve usar
procedimentos que façam o aluno raciocinar e elaborar os próprios conceitos
para depois confrontar com o conhecimento sistematizado. Pode-se afirmar que as
teorias mais modernas da didática, como o construtivismo e as bases teóricas
dos Parâmetros Curriculares Nacionais, têm inspiração nas ideias do educador.
Biografia
John Dewey nasceu em 1859 em Burlington, uma
pequena cidade agrícola do estado norte-americano de Vermont. Na escola, teve
uma educação desinteressante e desestimulante, o que foi compensado pela
formação que recebeu em casa. Ainda criança, via sua mãe confiar aos filhos
pequenas tarefas para despertar o senso de responsabilidade. Foi professor
secundário por três anos antes de cursar a Universidade Johns Hopkins, em
Baltimore. Estudou artes e filosofia e tornou-se professor da Universidade de
Minnesota. Escreveu sobre filosofia e educação, além de arte, religião, moral,
teoria do conhecimento, psicologia e política. Seu interesse por pedagogia
nasceu da observação de que a escola de seu tempo continuava, em grande parte,
orientada por valores tradicionais, e não havia incorporado as descobertas da
psicologia, nem acompanhara os avanços políticos e sociais. Fiel à causa
democrática, participou de vários movimentos sociais. Criou uma
universidade-exílio para acolher estudantes perseguidos em países de regime totalitário.
Morreu em 1952, aos 93 anos.
A defesa irrestrita do
experimentalismo
Em quase um século, Dewey presenciou muitas
transformações. Viu o fim da Guerra Civil Americana, o desenvolvimento
tecnológico, a Revolução Russa de 1917, a crise econômica de 1929. Em parte
nasceu dessa efervescência mundial sua concepção mutável da realidade e dos
valores, além da convicção de que só a inteligência dá ao homem o poder de
alterar sua existência. "Idealizar e racionalizar o universo em geral é
uma confissão de incapacidade de dominar os cursos das coisas que
especificamente nos dizem respeito", escreveu. Essa perspectiva levou
Dewey a rejeitar a ideia de leis morais fixas e imutáveis. Como boa parte dos
intelectuais de seu tempo, o filósofo norte-americano sofreu forte influência
tanto do evolucionismo das ciências naturais quanto do positivismo das ciências
humanas. Defendia a utilização, diante dos problemas sociais, dos métodos e
atitudes experimentais que foram bem-sucedidos nas ciências naturais. Ele
próprio procurou aplicar essa abordagem em relação à investigação filosófica e
à didática.
Para pensar
A
escola-laboratório criada por Dewey em Chicago: a prática acima de tudo
Uma das principais lições deixadas por John Dewey é
a de que, não havendo separação entre vida e educação, esta deve preparar para
a vida, promovendo seu constante desenvolvimento. Como ele dizia, "as
crianças não estão, num dado momento, sendo preparadas para a vida e, em outro,
vivendo". Então, qual é a diferença entre preparar para a vida e para
passar de ano? Como educar alunos que têm realidades tão diferentes entre si e
que, provavelmente, terão também futuros tão distintos?
Quer
saber mais?
Conhecimento, Valor e
Educação em John Dewey, Maria Isabel Pitombo, 176 págs., Ed.
Pioneira.
Dewey: Filosofia e
Experiência Democrática, Maria Nazaré Amaral, 136 págs., Ed.
Perspectiva.
John Dewey: a Utopia
Democrática, Maria Isabel Pitombo, 176 págs., Ed. Pioneira.
John Dewey: uma
Filosofia para Educadores em Sala de Aula, Marcus Vinícius da Cunha,
92 págs., Ed. Vozes.
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