As
diferentes relações com o saber
Em sua obra “Da relação com o saber:
elementos para uma teoria”, Charlot (2000) apresenta uma discussão acerca da
relação com o saber estabelecida pelo indivíduo durante seu desenvolvimento.
Especificamente a leitura do capítulo 4 - “O ‘Filho do Homem’: obrigado a
aprender para ser (uma perspectiva antropológica)” – me fez pensar em alguns
pontos acerca da possibilidade ou não do estabelecimento desta relação.
Charlot (2000) busca compreender o
sujeito e sua forma de estar no mundo, organiza-lo e organizar-se para sua
construção e transformação, considerando este sujeito na singularidade de sua
história e na atividade que realiza.
De acordo com o autor “(...) o homem não
é, deve tornar-se o que deve ser; para tal, deve ser educado por aqueles que
suprem sua fraqueza inicial e deve educar-se, tornar-se por si mesmo” (CHARLOT,
2000, p. 52). Conforme podemos inferir, a relação do homem com o saber se dá,
também, pela educação: em sua incompletude e prematuração, o homem sobrevive por
nascer em um mundo humano, preexistente, já estruturado, que lhe “ensina”, “educa”
para tal.
Sendo assim, podemos pensar nas
diferentes relações estabelecidas pelo homem com o saber, seja o saber que ele
mesmo desenvolve ou aquele saber já instituído na sociedade em que vive, e para
isso vamos pensar no acesso e permanência na escola das crianças e adolescentes
trabalhadores: qual a relação com o saber estabelecida por crianças e
adolescentes que trabalham? Como a escola esta (des)preparada para acolher,
partilhar, aprimorar esta relação? Como são valorizados os “saberes” que eles
trazem?
O trabalho infantil é um fenômeno antigo,
revestido de um caráter cultural e social, que ocorre em todo o mundo,
atingindo crianças e adolescentes, meninos e meninas, com o agravante de ser
subnotificado em algumas situações.
Muitas vezes, crianças e adolescentes que
exercem algum tipo de atividade laboral, seja para o seu sustento e/ou o de sua
família, seja por questões pessoais, acabam tendo sua escolarização
prejudicada, fator que lhes acarreta prejuízos educacionais preocupantes a
médio e longo prazos. Sendo a escola a instituição dedicada ao trabalho de
educação destes pequenos, se torna imprescindível que ela estabeleça meios para
que a relação com o saber necessária a estes sujeitos se torne eficaz. De outro
modo, cabe à escola atentar para as relações com o saber que são constituídas e/ou
veiculadas em seu interior, por todos os seus alunos.
Sendo a educação um sistema que pode
auxiliar o ser humano em seu processo de aprender, em seu movimento próprio de
construção, também é preciso se atentar para o fato de que essa construção se
dá por um movimento longo, complexo, nunca completamente acabado e que também
contribui para a construção de seu entorno. Como enfatiza Charlot (2000, p.54) a
educação é “produção de si por si mesmo, possível pela mediação do outro e com
sua ajuda”.
Diante deste panorama, torna-se
necessário, no interior das escolas, uma discussão e uma atenção maior às relações
com o saber possíveis às crianças e adolescentes trabalhadores. Sabendo-se que
o ser humano nasce inacabado e deve constituir-se ao longo de sua vida de
dentro de si e apropriando-se de uma humanidade que lhe é exterior, essa
produção exige a mediação do outro, a presença de um outro indivíduo que
contribua neste processo, como os pais, professor, amigos, familiares etc, e
que sejam favorecedores deste processo. Acredito ser nosso papel, enquanto professores, essa atenção a todos os alunos, inclusive àqueles que trabalham.
Aline Madia Mantovani.
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