Nesta época
em que o futebol esta (ainda mais) em evidencia, muita gente costuma me
perguntar "... Ei, para qual time você torce?" e eu respondo "para
nenhum; acho o futebol um esporte muito violento". Escuto risadas irônicas
rebatendo minha resposta "Ah! Mas você faz Karate! E, Karate, sim, é um
esporte violento!". Por fim, costumo dizer "Mas, Karate não é
esporte! É arte marcial. É um modo de vida!". Certamente, reconheço que
trata-se de um ponto de vista particular, onde cada um pensa e julga de acordo
com os próprios valores, suas significações e com o contexto em que vive. Isso
me remete as discussões da disciplina "Formação de professores para uma
escola digital e inclusiva", dos Professores Dr. Klaus e Dra. Elisa.
Retomando a
semiótica, pelo que fui capaz de compreender, o signo refere-se a tudo aquilo
capaz de gerar um processo de comunicação (linguagem) a respeito de algo, bem
como aquilo que representa um fenômeno ou objeto em nossa mente, pois, somos os
interpretantes e este signo refere-se a um significado. Para o interpretante,
isso ocorre nos três momentos que Peirce chama de primeiridade (momento da
captação), secundidade (momento da reação, onde somos capazes de atribuir
qualidades e relacionar experiências) e terceiridade (momento em que
interpretamos).Estes signos podem ser divididos em três tipos: ícones (tudo que
representa algo por semelhança), índice (tudo que nos indica algo ou nos induz
a pensar em algo) e símbolo (algo que nós definimos como sendo representante de
algo).
Assim, ainda
muito influenciado pelas primeiras conexões que estabeleci a respeito da
semiótica de Peirce com as artes marciais japonesas, procurei me imaginar no
lugar de Gichin Funakoshi (considerado o "Pai do Karate Moderno") ao
levar o Karate de Okinawa para o Japão, em 1924. Não se tratava de um convite
como conhecemos hoje e ele não foi recebido com honrarias diplomáticas ou
coisas do tipo; pelo contrário. Então, fico tentando imaginar quais foram as
estratégias elaboradas por Funakoshi para fazer com que o Karate fosse introduzido
no Japão, uma vez que, o Karate representava tudo aquilo que o povo japonês não
desejava e como ele trilhou o caminho de ressignificações, fazendo com que o
Karate fosse introduzido com sucesso em território japonês e se tornado,
provavelmente, a arte marcial mais praticada no mundo atual. A dificuldade
começa pelo próprio termo Karate (que significava originalmente "Técnica Chinesa
de Luta com os Punhos" e que Funakoshi redefiniu como "Arte das Mãos Vazias"), pois, fazia referência direta a Dinastia Tang
(China). No início do século XX, os japoneses repudiavam tudo que vinha ou fazia referência direta a China, inimiga secular do Japão.
Para melhor
contextualizar, Okinawa outrora um país independente possuía um acordo de
intercâmbio cultural com a China que cedia toda a tecnologia disponível. Assim,
a China enviava artistas, livros, professores, bem como militares para
colaborar com o desenvolvimento da ilha. Okinawa era um porto marítimo
importante no oceano Pacífico e era objeto de cobiça em toda Ásia. De qualquer
forma, a história conta que Okinawa foi incorporada como parte do território japonês
em 1886 por meio de uma invasão. Se a China foi capaz de estabelecer uma relação de amizade, cordialidade e troca, o Japão, por sua vez, estabeleceu domínio pela força.
Quando
Funakoshi chegou ao Japão, o povo japonês ainda orgulhoso de seu poderio militar
na Ásia, esperava receber um Budo-Ka (expert em artes marciais) de grandiosas
qualidades físicas, jovem, pronto a provar o poder daquela arte marcial que
havia impressionado o imperador e desafiar qualquer um que duvidasse dela. No
entanto, os japoneses receberam um homem de pouco mais de cinquenta anos, de
baixa estatura e que não impressionava fisicamente, a não ser pelo fato de ser muito
educado e tão humilde que praticamente se desculpava por estar ali.
Vale lembrar
que figuras que pudessem atender as expectativas dos japoneses (como Budo-Ka) podiam
ser encontradas aos montes em Okinawa (fisicamente avantajados, experts em
combate com e sem armas), mas que não possuíam as qualidades de Funakoshi como
educador, um homem de grande cultura, professor da escola pública regular,
poeta, mestre em caligrafia Shodo (arte que estuda os ideogramas utilizados na
escrita japonesa e chinesa. A cultura de uma pessoa também pode ser medida pela
quantidade de ideogramas que conhece e que é capaz de reproduzir), profundo conhecedor do idioma e costumes japoneses
(nesta época, Okinawa possuía idioma e cultura próprio), além, é claro, de ser
um especialista em Karate.
Funakoshi
não desejava levar ao Japão o antigo sistema pragmático de guerra usada para matar,
mas sim, uma arte que pudesse fazer com que as pessoas fossem capazes de dar um
novo sentido as suas vidas. Para ilustrar a missão de Funakoshi observe a foto, retratando-o em idade avançada, em um tempo onde sua missão já estava
consolidada em território japonês, onde constam detalhes que, certamente,
passariam despercebidos a um leigo e podem ser analisado por meio da semiótica
peirciana.
Percebe-se a
preocupação em associar os "novos elementos" do "Karate
moderno" à imagem de um Karate-Ka. Em suas mãos, segura o texto de sua
autoria "Karate-Do Kiyohan" (no ocidente," Karate-Do: Meu
Caminho"). A direita dele (no canto esquerdo inferior da foto) encontra-se
um chumaço de sisal, na verdade, a parte principal de um aparelho de treino de
Karate chamado "Makiwara", utilizado para fortalecimento e
aperfeiçoamento de golpes de punho; um equipamento utilizado do principiante ao
expert, cujo significado para os Karate-Kas se traduz no pensamento de que não
há limite para o aperfeiçoamento. Para o homem moderno, este pensamento se
traduz no esforço diário, na filosofia de melhoria contínua (incorporada ao
sistema japonês de produção industrial - o Kaizen, que por sua vez, foi
incorporado ao Sistema Toyota de Produção, o Lean Manufacturing), mantendo no
espírito a humildade de praticar durante toda a vida o "básico". Ao
fundo, percebe-se uma infinidade de livros, revistas, jornais, ferramentas de
escrita Shodo (A arte da caligrafia é considerada uma metáfora para a própria
vida, assim, alternam-se pinceladas fortes com outras mais delicadas, variando
o efeito conforme a velocidade, a cor da tinta, a pressão sobre o papel, o
intervalo entre traços e o próprio material utilizado. Não há retoques, esboços
ou correções em uma peça, pois mesmo o "borrão" ou os espaços
"falhos" sobre o papel poderão ser vistos como parte de uma
totalidade), onde, provavelmente, ele mostra sua preocupação (como educador) em
formar, como ele próprio dizia, "um homem sábio, mais do que um
guerreiro". Segundo suas reflexões, questionava ele "... para que
serve um homem forte, mas vazio de filosofia de vida?".
Tenho falado
aos alunos de graduação dos cursos de Administração de empresas e de Sistemas
de informação a respeito de como Funakoshi cumpriu sua difícil missão, transformando
crenças e propondo ressignificações. Sua história de vida e suas qualidades retratam
características importantes para profissionais de todos os segmentos, bem como
mostram que é possível (e é preciso) inovar/reinventar para tornar-se
competitivo.
Notadamente,
estes pontos são apresentados de maneira muito sutil aos praticantes de Karate
que foram capazes de encontrar um professor sério para guiá-los durante os
primeiros passos. Sob esta ótica, o Karate foi estruturado como instrumento de
ensino e de desenvolvimento humano.
Para finalizar, deixo um pequeno poema da
autoria de Funakoshi como um exercício
de reflexão:
Buscar o
passado para entender o presente,
O velho, o novo
É uma questão de tempo
Em todas as coisas o homem deve ter a mente clara
O caminho:
Quem o transmitirá com retidão e clareza?
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