MARIA ÂNGELA O.
S. RUBINI
A reflexão que segue abaixo,
parte da leitura do texto - DA RELAÇÃO COM O SABER Elementos para uma teoria -
Cap. I e II, de Bernard Charlot, um dos autores estudados na disciplina do
Professor Mauro Betti. Escolhemos esse texto pela atualidade do tema abordado
com a realidade cotidiana na maioria das escolas em todo o país. Segundo
Charlot (2000), “Duas línguas diferentes são faladas no interior das escolas: a
dos alunos e a dos professores.”
O ato de estudar possui
lógicas diferentes para esses dois sujeitos, por um lado o aluno argumenta:
participei de todas as aulas, estudei em casa e não concordo com a nota
recebida. Por outro lado o professor retruca: esse aluno é preguiçoso e não
aprendeu o que ensinei. Esse descompasso deixa claro o grande abismo que existe
entre as pessoas e essas visões diferentes interferem no processo de
ensino-aprendizagem.
ALGUMAS
QUESTÕES SOBRE O FRACASSO ESCOLAR
Nas últimas décadas a
educação tem sido o centro das atenções em diversos setores da sociedade, o
ensino está em debate no Brasil e no mundo. Do ensino religioso da Companhia de
Jesus à educação democrática do século XXI, observamos a trajetória das
políticas educacionais, inicialmente planejadas para atender interesses
religiosos e políticos, avançando pelos séculos, marcados por movimentos da
sociedade civil organizada, contrapondo o governo dominante.
Com o acesso e a
democratização garantidos pela Constituição Federal Brasileira (Brasil, 1988) e
assumidos no art 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil,
1996), espera-se que a escola pública contribua significativamente para a
democratização da sociedade e que seja um lugar para o exercício da democracia
participativa. Nesta nova proposta a comunidade escolar, tem vez e voz na construção
do Projeto Político Pedagógico, o aluno passa de sujeito passivo a protagonista
no processo de ensino-aprendizagem.
Posto os princípios na
forma da Lei, o cenário que nos é apresentado, principalmente na rede pública é
preocupante e desafiador. Um dos pontos nevrálgicos na educação é a questão do
fracasso escolar. Este tem mobilizado e motivado estudiosos a realizarem
pesquisas e estudos, com objetivo de implementar políticas, que visem a melhoria da educação.
Charlot (2000), em seu
trabalho cita alguns dos fenômenos que são reconhecidos por docentes,
sindicatos, pesquisadores e outros, que compõem o chamado “fracasso escolar”.
Para o autor, essa expressão é usada para representar uma experiência, uma
vivência e uma prática, ela verbaliza a reprovação, a ausência de certos
conhecimentos ou competências que compreende desde a primeira série do primeiro
grau ao ensino superior não concluído. É uma “chave” que nos permite interpretar
o que está ocorrendo na sociedade como um todo.
A crise no sistema
escolar, para muitos educadores e pesquisadores é causada por um conjunto de
fatores que compreendem: a falta de recursos financeiros, a formação
profissional, número de alunos por sala, questões salariais, as desigualdades
sociais e outras deficiências. Diante de tantas hipóteses, descobrir a causa do
insucesso e agir sobre ele com o objetivo de ultrapassar tal condição, pode ser
comparada pelo autor, como o trabalho de um exorcista.
Nas décadas de 60 e 70,
a sociologia da reprodução analisou o “fracasso escolar” como uma diferença entre
as diferentes posições dos alunos, currículos e estabelecimentos. Os resultados
apontaram que as origens do “fracasso escolar” são causadas pelas deficiências
socioculturais e pela origem social, ou seja, para compreender o insucesso dos
alunos é preciso comparar o aluno com a posição social dos pais. Há a
reprodução das diferenças.
Terrail e Laurens (apud
Charlot, 2000, p. 21), citam que a militância política e a prática religiosa,
corroboram nas práticas educativas familiares que vão interferir na posição
escolar da criança. Essa conclusão afirma que a criança não e apenas “filho(a)
de”, mas ocupa uma certa posição na sociedade que tem a ver com os pais e com
as relações que ela estabelece com os seus pares e com outros adultos, isso se
constrói ao longo da vida e é singular.
Para Charlot, fracasso
escolar “tem alguma coisa a ver” com a origem social, mas esta não produz o
fracasso escolar. O que se constata nas pesquisas é que alguns alunos que fracassam
no processo ensino-aprendizagem, pertencem a famílias populares. A teoria
“deficiência” nesse contexto é uma “teoria produzida” e não uma constatação.
Está arraigada na experiência profissional docente, interpretada à luz de
ideologias.
É fato que
cotidianamente professores observam alunos que não têm as bases necessárias
para apropriar-se dos conhecimentos que a escola proporciona e que essas
crianças provêm de famílias populares, mas é preciso que sejam levantadas
questões que resgatem o sentido da escola para as famílias populares e seus
filhos.
Em contrapartida,
existem crianças de meios populares que obtêm sucesso na escola e isso deveria
fragilizar a teoria da deficiência sociocultural e da origem social. Porem,tal
performance é atribuída ao “dom”, são bem dotadas por isso escapam do fracasso.
A teoria da deficiência
sociocultural faz uma leitura “negativa” do meio social, que é interpretada como
faltas (Charlot 2000). O contrário, uma leitura “positiva”, seria uma análise
desse meio relacionando o saber desse aluno, quais experiências tem? O que faz?
Qual a sua interpretação de mundo?
A leitura positiva é
considerar o que as pessoas conseguem realizar e não observar apenas as falhas,
o que não conseguem realizar. É uma atitude epistemológica e metodológica, é
ler de maneira diferente o que a leitura negativa interpreta como falta.
A leitura negativa fala
em carências, deficiências, e isso gera “coisas” como o “fracasso escolar”, a “exclusão”.
É a maneira como os dominantes, que se sentem como sujeitos completos, vêem os
dominados.
Fazer uma leitura
positiva é definir esse sujeito dominado, sabendo que ele é resultado de uma
história, não é um ser passivo, antes resiste ser dominado, ele interpreta o
mundo, busca transformar a sua realidade, não deveria ser manipulado pelo
dominador, pois mesmo assim ainda é um sujeito singular.
REFERÊNCIAS:
BRASIL.
Constituição (1988). Constituição da
Republica Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
BRASIL.
LEI Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação nacional. Diário da União,
Brasília, DF, 20 de dez. de 1996. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em 29/06/2014.
CHARLOT,
B. Da Relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed,
2000.
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