Para tentar compreender
os processos da ação da pesquisa sob semiótica peirceana, as interações com os
textos da disciplina e outros textos que dispusessem de discussões a respeito
do assunto, me fizeram dividir essa experiência de aprendizagem em duas fases:
A primeira sobre a significação da semiótica de Peirce, e a segunda a
visualização do que uma pesquisa sob as perspectivas peirceanas é consolidada.
De certa forma, somos
condicionados a elencar uma série de conceitos para subsidiar nossas produções,
para posteriormente apresentar aquilo que mais se aproxima de nossos
posicionamentos epistemológicos. Diante disso, minha primeira tentativa foi
alocar as concepções peirceanas, de maneira organizada e/ou até burocrática, no
sentido de entender o que categorizavam uma experiência. E então tudo pareceu
uma teorização distante e sem sentido.
Algumas definições
acabavam por parecer obvias demais, como os conceitos de “hábito e crença”, e
outros extremamente complexos como “os signos e as ações interpretantes”. Mesmo
com os primeiros textos não conseguia identificar o que a semiótica de Peirce
diferenciava das outras teorias tão utilizadas na educação, e nesse primeiro
momento, da minha experiência, não conseguia definir o que uma pesquisa a
partir da semiótica de Peirce deveria compreender.
A maior inquietação foi
entender o “obvio”. O mais simples em Peirce é que o “óbvio” é uma conceituação
extremamente complexa sobre experiências que normalmente não conceituamos, não
aprofundamos. A partir disso pude compreender o que Santaella (1992) afirma que
a semiótica em Peirce é uma perspectiva e não uma ciência aplicada, “nem
como uma ciência teórica especial, ou seja, especializada", entretanto
afirma ser, "uma ciência formal e abstrata, que possui um nível de
generalidade ímpar" (Santaella.1992, p. 43).
Uma perspectiva com
definições que nos auxiliam no campo da pesquisa com todas as suas
singularidades epistemológicas, a semiótica de Peirce também se apresenta como
uma teoria do significado, do significado dos conhecimentos, e do estudo de
todo e qualquer tipo de representação.
Assim a compreensão do
que seria uma pesquisa sob a Semiótica de Peirce tornou-se mais concreta. Uma
pesquisa não traria conceitos peirceanos como apenas categoria de análise e/ou
síntese teoria, mas como um aporte a toda fundamentação da pesquisa em si. Essa
característica ficou mais evidente a partir da apresentação da tese de
doutorado “Movimento e Educação Infantil: uma pesquisa-ação na perspectiva
semiótica” de Eliane Gomes da Silva. Em sua fala os conceitos apresentados
anteriormente tornaram-se conectados, e elucidaram como esta perspectiva
interferirá no olhar do pesquisador e no desenvolver de toda a pesquisa e sua
análise, ampliando o olhar centralizador que muitas vezes a impregnação teórica
impulsionaria.
O pesquisador precisa
estar aberto a representações e significações no campo e fora dele, precisa
refletir com profundidade, precisa enxergar além de uma simples imagem ou fala,
são estas interações amplificadas que qualificarão o trabalho. Para isso há
necessidade de compreender os hábitos de pesquisa e romper com paradigmas.
Peirce (1975, p. 88) define que a força do hábito fará “muitas vezes,
com que o homem mantenha velhas crenças, mesmo depois de adquirir condição de
perceber que elas são desprovidas de base sólida”.
A superação desse
estigma acontecerá através da reflexão. Para isso Peirce (1975, p. 88) aponta
que “a reflexão permitirá, entretanto, domínio sobre esses hábitos e o homem
deve conceder à reflexão o seu peso total. As pessoas se recusam, por vezes, a
proceder assim, tendo ideia de que as crenças constituem um todo que elas não podem
imaginar que se apoie no nada”.
Assim compreendo que a
ação da pesquisa sob a Semiótica de Peirce assemelha-se a definição descrita
por Santaella (1992, p.179) sobre a quebra de paradigmas e mudança de hábito
que “onde quer que haja tendência para aprender, processos autocorretivos,
mudanças de hábitos, onde quer que haja ação guiada por um propósito, aí haverá
inteligência”. Essa ruptura possibilita aprofundamento e reflexões buscando-se
quebra e autocorreção das tendências e hábitos adquiridos.
Paralelamente a essa
ideia, a pesquisa necessita também de um direcionamento, ou seja, um conjunto
de ações que diante do objeto trarão significados. Assim vale resgatar o
conceito de experiência definido por Peirce (1975) que a experiência é um
fator corretivo ao pensamento e que o universo da experiência fenomênica
identifica-se com a experiência cotidiana. Assim:
O curso temporal da experiência
como resultado cognitivo do viver, traduz-se na aquisição de terceiridade, ou
seja, de mediações cuja tessitura frente ao mundo, como vimos, se confunde com
a própria concepção de ego, instância das generalizações a partir da
factualidade individual da segundidade, da pluralidade experienciada que
constitui o não-ego. Parece também que a experiência estrutura um vetor direcionado
à terceiridade, na sua força compulsiva de fazer pensar que, expressa em
representações gerais que constituem o pensamento (Ibri, 1992, p. 15).
Entendemos então a
experiência, assemelhando a ação da pesquisa, como um convite irrecusável para pensar
a realidade, uma possibilidade de conhecer o novo, refletir sobre o que está
adquirido, modificar, expandir, elaborar novos signos para futuras
experiências. A reflexão sobre a ação, promoverá as rupturas necessárias para a
consolidação da experiência e da superação de conceitos. Sem a reflexão na há
evolução das técnicas nem aprimoramento dos hábitos.
Esses conceitos compõem
a base semiótica de Peirce(1975) e também contribuem para a compreensão da
postura do individuo e do mundo perante as possibilidades de interação,
aprendizagem, aprofundamento, enfim da composição das experiências. É
necessário olhar para o mundo, mas para conhecê-lo é necessário também
experienciá-lo.
Assim considero que a
semiótica de Peirce ultrapassa uma abordagem de substanciar teoricamente a
pesquisa, qualificando o olhar do pesquisador no e sobre o mundo, auxiliando a
transpor a tecnicidade da construção do conhecimento para uma percepção
aprofundada da ação da pesquisa.
Marcela Corrêa
Tinti
Referências
IBRI,
I.A. Kósmos Noetos: a arquitetura metafísica de Charles S. Peirce. São Paulo:
Perspectiva, Holon, 1992. (Coleção estudos; v. 130).
PEIRCE,
C.S. Semiótica e Filosofia. São Paulo: Cultrix, 1975.
SANTAELLA,
L. A assinatura das coisas. Rio de Janeiro: Imago, 1992.
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