terça-feira, 21 de agosto de 2012

Investigação na Educação Física Escolar


Na busca de refletir sobre alguns pontos (não os controversos e de forma preliminar) da investigação científica para Peirce (1972) e pensando na Educação Física Escolar como uma subárea de pesquisa da Educação Física, faz-se necessário delimitar a pesquisa em Educação Física Escolar na concordância de Betti, Ferraz e Dantas (2011). Para os autores delimitarem o que é pesquisa na área permeiam pelo menos dois problemas: “a demarcação do que seja pesquisa científica frente a pesquisa não científica, e a demarcação do que seja pesquisa científica em Educação Física Escolar” (BETTI; FERRAZ; DANTAS, 2011, p. 107).
Azanha (apud BETTI; FERRAZ; DANTAS, 2011, p. 107), ressalta que pode haver métodos incompatíveis com a busca da verdade: “aqueles métodos que protegem algumas teorias, hipótese (ou interpretações) no âmbito de uma dada prática científica, porque essa proteção é uma presunção de alcance de verdade e, portanto, de uma razão para a cessação da busca, isto é, da própria prática”. Assim, o viés da pesquisa científica demarcado é aquele na qual analisa a ciência com base numa sistematicidade lógica (não um ideal único de racionalidade). Nesse sentido Peirce (1972, p. 73) argumenta sobre o objetivo de racionar que “é descobrir, a partir da consideração do que já sabemos, algo que não sabemos”, e “[...] a conclusão verdadeira continuaria a ser verdadeira, ainda que não nos sentíssemos inclinados a aceitá-la; e a conclusão falsa permaneceria falsa, ainda que não pudéssemos resistir à tendência de nela acreditar”. Poder-se-ia então dizer que para Peirce (1972, p. 86) a “Verificação acerca de eu estar efetivamente adotando o método não se faz por apelo a meus sentimentos e objetivos, mas, pelo contrário, envolve aplicação do método”. E na aplicação do método Peirce (1972, p77) apresenta alguns pontos de distinção entre dúvida e crença, já que para ele “O estímulo da dúvida leva a esforço por atingir um estado de crença”, e este estado de crença denomina de investigação no sentido de chegar ao acordo de opiniões e não simplesmente uma opinião, mas uma opinião verdadeira. Assim, o autor relata que podemos diferenciar a sensação de duvidar e crer; de que a crença leva a tendência das ações; e que buscamos sair da dúvida (desagradável) para o estado de crença (tranqüilidade).
No sentido de discutir sobre métodos incompatíveis com a busca da verdade, cabe aqui discutir brevemente a diferença que Peirce faz sobre alguns métodos de fixar crença (tenacidade, autoridade, a priori e científico). Para Peirce (1972, p. 81) no método da tenacidade a pessoa busca o caminho mais fácil, dissimula (pensa como lhe agrada) e está seguro daquilo em que acredita, pode passar a vida afastando de seu alcance tudo o que possa modificar suas crenças, e para “O homem que o acolhe não se propõe a ser racional e, em verdade, se referirá frequentemente está escolhendo o caminho mais fácil”. Porém, este método não pode sustentar-se na prática, já que outros homens podem apresentar opiniões tão contundentes quanto a de uma pessoa sobre um mesmo assunto. Assim, surge o problema de fixar crença não apenas num indivíduo, mas na comunidade. Tem-se então o método da autoridade, que busca disseminar doutrinas teológicas e políticas a todas as pessoas, afastando a possibilidade de mudança de idéias. E o sistema que adota tal método sempre se acompanha de crueldade e, quando coerentemente imposto, os procedimentos cruéis adquirem, aos olhos de qualquer homem racional, as proporções de atrocidades da pior espécie.
Porém, para o autor, a instituição que se propõe a tal método não conseguirá regulamentar as opiniões acerca de todos os assuntos, só os de maior importância. E essa imperfeição não enfraquecerá tal poder enquanto as pessoas não souberem somar idéias. Para Peirce (1972, p. 83) surge então a necessidade de um método de fixar crença que deverá “não só induzir a crer, mas permitir escolha da proposição em que se decida crer. Esse sistema apresenta como exemplo a filosofia metafísica, na qual geralmente não se apóiam em fatos observados, mas em proposições fundamentais agradáveis à razão. Assim, o método a priori é o que deve ser escolhido, já que “é a expressão do instinto que, em todos os casos, põe-se como causa última da crença” (Ibidem. p. 83). Este método transforma a investigação a algo semelhante ao gosto, e o gosto está relacionado a questão de moda, no sentido de oscilar. Contudo, Peirce (1972, p. 84) chega ao “método por força do qual nossas crenças passem a ser determinadas não por algo humano, mas por algo externo e estável – por algo sobre que nossa reflexão não tenha efeito”, e “[...] que afete ou possa afetar todas as pessoas”, de tal forma que as conclusões sejam as mesmas. Seus fundamentos apóiam-se em coisas reais das quais as características não dependem de nossas asserções; e por meio das relações com os objetos (utilizando as leis da percepção) podemos verificar, por meio do raciocínio, como as coisas realmente são, desde que o homem tenha experiência em quantidade e raciocine tanto quanto basta sobre o assunto, para então, chegar à conclusão única e verdadeira.
Por fim, Peirce (1972, p. 86) faz distinção do método da investigação científica dos demais. A distinção está na qual o método científico parte de fatos conhecidos e observados para o desconhecido, e não está inclinado ao apelo dos sentimentos, ao cominho mais fácil, ou ao que as instituições julgam verdadeiras, “mas, pelo contrário, envolve a aplicação do método”, e que este contemple nossas opiniões e que estas coincidam com os fatos, não havendo tal objetivo nos demais métodos. Ressalta ainda a necessidade de reflexão para combater a força do hábito, o qual faz “com que o homem mantenha velhas crenças, mesmo depois de adquirir condição de perceber que elas são desprovidas de base sólida” (Ibidem. p. 88).
Retomando Betti, Ferraz e Dantas (2011), os autores compreendem a pesquisa científica como aquela que está aberta a novas argumentações que permitam “tensionar” os princípios, conceitos, afirmações e interpretações que a constituem. Além dessa apresentam outra característica na qual o processo da pesquisa seja público a outros autores possibilitando replicação ou ressignificação. Já na área da Educação Física Escolar, por exemplo nos “estudos descritivos”, não bastaria relatar que os estudantes do ensino médio desinteressam-se e evadem-se das aulas e apresentar as justificativas, como “não gosta da aula”, “não sabe jogar”, etc., o que não permite uma compreensão profunda das relações de conduta de desinteresse e evasão. Seus argumentos são baseados em Azanha (apud BETTI; FERRAZ; DANTAS, 2011) segundo o qual é preciso apresentar investigações multi e interdisciplinares capazes de dar conta das manifestações culturais do ambiente escolar e não apenas descrever estas práticas.
Por conseguinte, não basta “caracterizar os protagonistas que atuam no espaço escolar e relacioná-los a condições sociais, políticas e econômicas” (AZANHA apud BETTI; FERRAZ; DANTAS, 2011, p. 109), assim: 

gerar dados que caracterizam em alguns aspectos crianças e jovens (antropométricos, motores, psicológicos, sociais, etc.) apenas como indivíduos que estão incidentalmente presentes nos tempos-espaços escolares não tipifica a pesquisa em Educação Física Escolar, se estes dados não estiverem associados à condição desses sujeitos como alunos no jogo das relações sociais complexas e dinâmicas que envolvem a disciplina “Educação Física” na instituição escolar. (BETTI; FERRAZ; DANTAS, 2011, p. 109).

Dessa forma, a investigação científica na Educação Física Escolar poderá caminhar “na medida em que possa modificar diferentemente nossa conduta prática” (Peirce, 1974, p. 62); que vai além do prático e apresente descrições compreensivas e interpretativas, e não apenas superficiais e apresente as complexas relações sociais das práticas pedagógicas da Educação Física (BETTI; FERRAZ; DANTAS, 2011).

Referências
BETTI, M.; FERRAZ, O.L.; DANTAS, L.E.P.B.T.. Educação Física Escolar: estado da arte e direções futuras. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v.25, p.105-15, dez. 2011.
PEIRCE, C. S. Semiótica e filosofia. São Paulo: Cultrix, 1972.

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