sábado, 25 de agosto de 2012

Métodos de fixação de crenças: autoridade, tenacidade, a priori e científico

O método da tenacidade é apresentado por Pierce da seguinte forma: "quando, à aproximação de um perigo,  o avestruz enterra a cabeça na areia, está provavelmente escolhendo o caminho mais fácil. Dissimula o perigo e diz calmamente que o perigo não existe; e se está perfeitamente seguro de que o perigo não existe, por que levantaria a cabeça para verificar? Um homem pode atravessar a vida afastando sistematicamente de seus olhos tudo o que fosse suscetível de conduzí-lo a alterar opiniões e se o consegue - apoiando seu método em duas leis psicológicas fundamentais - não sei o que possa ser dito contra o procedimento. Seria uma impertinência egotista objetar que é irracional a atitude referida, pois só equivaleria a dizer que aquele método de firmar uma crença é diferente do nosso. O homem que o acolhe não se propõe a ser racional e, em verdade, se referirá frequentemente está provavelmente escolhendo o caminho mais fácil. Dissimula pois, pensar como lhe agrada.
Não obstante, esse método de fixar a crença - que pode ser chamado método da tenacidade - será incapaz de sustentar-se na prática. A corrente social lhe é contraria. O homem que o acolhe verificará que outros homem pensam de maneira diferente e poderá ocorrer-lhe, em momento de maior lucidez, que outras opiniões são tão boas quanto as suas e isso abalará a confiança na crença que tem."
(PIERCE. C. S. Semiótica e filosofia. São Paulo: Cultrix, Editora da USP, 1975, p. 79-80.)

Em síntese:
A pessoa que utiliza este método se apega a posições já adotadas, ouve o que quer ouvir, evita o que pode gerar dúvidas, afasta-se sistematicamente de seu horizonte qualquer coisa que tenha alguma chance de alterar as suas opiniões, procura o caminho mais fácil, não se propõe ser racional, exime-se da dúvida, e, portanto não favorece a investigação.

Em função do método da tenacidade ser incapaz de se sustentar na prática, pois facilmente se precebe que o pensamento de outro homem pode ser tão justificável quanto o nosso, surge a necessidade de outros métodos.

O método da autoridade é apresentado por Pierce da seguinte forma: " Permitamos, pois, que opere a vontade do Estado e não a do indivíduo. Crie-se uma instituição que terá por meta oferecer à atenção do povo as doutrinas corretas, reiterando-as continuadamente, transmitindo-as à juventude e tendo, ao mesmo tempo, o poder de impedir que doutrinas contrárias sejam ensinadas, advogadas ou proclamadas. Que todas as possíveis cauxas de mudança de ideia sejam afastadas, deixando de ser motivo de apreensão para os homens. Que eles se mantenham ignorantes e não conheçam razão alguma que os leve a pensar diversamente de como pensam. Que suas paixões sejam recenseadas para que eles possam encarar, com aversão e asco, opiniões individuais incomuns. Que todos os homens que repelem a crença estabelecida se vejam condenados ao silêncio. Que o povo aponte esses homens e os unte de alcatrão e cubra de penas ou que se institua uma inquisição para perquirir de maneira de pensar de pessoas suspeitas e que estas, declaradas culpadas de crenças proibidas, estejam expostas a punição exemplar. Qando não se consegue acordo completo por outra forma, o massacre de todos os que não pensem de certa maneira tem-se mostrado meio muito eficaz de igualar as opiniões em um país. Se o poder assim agir não bastar, que seja preparada uma lista de opiniões - com a qual homem algum com a mínima independência de pensamento poderia concordar - e que os fiéis sejam conclamados a aceitar essas opiniões, para que possam ver-se segregados tão radicalmente quanto possível da influência do resto do mundo.
Esse método tem sido, desde os primeiros tempos, um dos principais meios de sustentar corretas doutrinas teológicas e políticas e de preservar-lhes o caráter católico ou universal. Em Roma, especialemente, foi praticada desde os tempos de Numa Pompílio até os de Pio IX. Esse é o mais perfeito exemplo histórico; mas, onde quer que tenha surgido um clero - e nenhuma religião dele prescindiu - esse método foi utilizado em maior ou menor escala. Onde quer que haha uma aristocracia, grêmio profissional ou associação de classe, cujos interesses dependam ou suponha-se que dependam de certas proposições, eoncontram-se, inevitavelmente, traços desse produto natural do sentimento coletivo. O sistema sempre se acompanha de crueldade e, quando coerentemente imposto, os procedimentos cruéis adquirem, aos olhos de qualquer homem racional, as proporções de atrocidades da pior espécie. E isso não deve causar surpresa, pois o defensor de uma sociedade não vê justificativas para sacrificar o interesse dessa mesma sociedade no altar da mercê, onde sacrificaria intesses individuais. Natural, portanto, que a simpatia e a amizade levem, por esse caminho, ao mais brutal exercício do poder." 
(PIERCE. C. S. Semiótica e filosofia. São Paulo: Cultrix, Editora da USP, 1975, p. 80-81.)

Em suma: 
Este método é utilizado por todos que querem manter o poder, seja em qualquer tipo de sociedade ou representação social. As regras são impostas com a ignorância, o terror e a inquisição, a fim de alcançar a concordância de quem não pensa igual ou não pensa em harmonia com o grupo ao qual pertence. Esse é método que tem "incomensurável superioridade mental e moral sobre o método da tenacidade", o seu sucesso tem sido grande e "de fato, sempre apresentou os mais majestosos resultados": é esse o método das crenças organizadas. Mas nenhuma de tais crenças organizadas permaneceu eterna; na opinião de Peirce, a crítica as corroeu e a história as redimensionou e, de qualquer forma, as particularizou.

O método do "a-priori" é o de quem considera que suas próprias proposições fundamentais estão de acordo com a razão. Entretanto, observa Peirce, a razão de um filósofo não é a razão de outro filósofo, como demonstra a história das ideias metafísicas. O método apriorista leva ao insucesso, porque "faz da pesquisa algo semelhante ao desenvolvimento do gosto", visto ser método que "não difere de modo essencial do método da autoridade".

Assim, por um ou outro motivo
, esses três métodos (da tenacidade, da autoridade e do a-priori) não se sustentam. Se quisermos estabelecer validamente as nossas crenças, segundo Peirce, o método correto é o método científico.

3 comentários:

  1. Os métodos para fixação de crenças mostra a evolução do homem, bem como a necessidade de estabelecer critérios bem definidos para a formação de conceitos norteadores da investigação científica.

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  2. O grande desafio é estabelecer premissas verdadeiras para que a conclusão seja consequência. Isto faz parte do silogismo categórico.

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