segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Um esboço sobre o tema “aprendizagem” entre Peirce e Ausubel


                Neste texto faço a relação de alguns pontos entre Peirce e Ausubel no que diz respeito à aprendizagem. Peirce (1972) relata sobre a necessidade de abrirmos os olhos e raciocinar a partir do que já sabemos para alcançar algo que não sabemos, e acredita que o caminho para compreender a lógica está (dentre outros) na capacidade de traçar inferências, sendo esta a última das faculdades na qual adquirimos domínio – para ele mais uma arte de aprendizado longo e difícil do que um dom natural –. Nesse entendimento, o autor cita no seu texto o trabalho de Lavoisier e seus companheiros em superar a máxima dos químicos antigos de ler e rezar, para o de experimentar “fazendo emergir uma nova concepção de raciocínio em termos de algo que deve desenvolver-se estando os olhos abertos, com manipulação de coisas reais em vez de manipulação de palavras e fantasias” (PEIRCE, 1972, p. 73).
               Medeiros (2009, p. 56) ao discorrer sobre experiência (resultado cognitivo do viver) na fenomenologia perciana, entende – com base na máxima do pragmatismo – o pensar o mundo como aparência, isto é, submete-se a análise fenomenológica, e neste sentido a aprendizagem “se daria no fluxo do tempo sendo, portanto, expressão da categoria fenomenológica designada por Peirce de Terceiridade”.
                Na teoria de Ausubel a aprendizagem acontece por assimilação em um processo contínuo e modificações relevantes na estrutura cognitiva “ocorrem, não como resultado de períodos gerais de desenvolvimento cognitivo, mas de uma crescente diferenciação e integração de conceitos específicos na estrutura cognitiva” (MOREIRA, 2006, p. 32). O principal conceito na teoria de Ausubel segundo Moreira (2006) é processo por meio do qual novas informações (pode ser entendido como conteúdo escolar) adquirem significado por interação (não associação) com aspectos relevantes já existentes na estrutura cognitiva. Além disso, esse processo necessita que o material de aprendizagem seja potencialmente significativo (possa ser aprendido pela maioria das pessoas) e haja disposição do estudante para aprender.
                Para a compreensão da aprendizagem na concepção de Peirce – que está na aquisição de conceito e mudança de conduta, pensamento e ação – é preciso analisar as categorias fenomenológicas elencadas pelo autor: Primeiridade, Secundidade e Terceiridade (aqui realizada de forma sintética) – vale ressaltar que Peirce não exclui a relação as dados experienciáveis da vida, o que permite verificar as relações entre as características da consciência do mundo interno e a consciência do mundo externo –. Para Peirce (apud MEDEIROS, 2009, p. 62) na Primeiridade não há possibilidade de mediação, uma espécie de apreciação imediata da experiência vivida destituída de referência pretérita e referência futura, “caracterizada por um estado de consciência no qual se dá a vivência de uma experiência imediata”. Já a Secundidade predomina na realidade, já que há a presença de um outro (chamado de alteridade), o não-ego. Para Peirce (apud MEDEIROS, 2009, p. 63) “a experiência comum está impregnada de Secundidade, é experiência quotidiana, considerada que seja do ponto de vista da consciência interna e externa”. Por fim, a Terceiridade é pensada pelo autor numa relação que faz referência a um processo mediativo. Nesta relação está presente a idéia de signo como algo que representa alguma coisa diferente dele mesmo (um objeto), para um terceiro (interpretante). O interessante é que o signo para Peirce se divide em ícones, índices e símbolos – e que apresenta distinção na teoria de Ausubel, na qual o signo tem a representação de símbolo – . Neste sentido a Terceiridade assinala a presença da mediação como forma assumida “pelo pensamento, nas maneiras através das quais se manifesta qualquer possibilidade de síntese conceitual” (MEDEIROS, 2009, p. 65). Assim, a mediação na fenomenologia perciana não fica alheia da experiência pretérita e a da intencionalidade (referências futuras), isto é, a mediação possibilita-nos diferenciar quem somos e o que são as coisas, e também, estabelecer relações de causalidade, o que permite chegarmos às generalizações. Por conseguinte “Se a experiência, como refere Peirce, ‘é o resultado cognitivo de viver’, uma vez mais pode-se verificar que ela sofre a força da Terceiridade, que permite conhecer a relação de choque e ‘força bruta’ da secundidade e a elevar a um grau inteligível” (Ibidem, p. 66).
                Se para a compreensão de aprendizagem em Peirce as categorias fenomenológicas se faz presente, para Ausubel a aprendizagem envolve representação, conceito e proposição. A aprendizagem representacional “Envolve a atribuição de significados a determinados símbolos (tipicamente palavras), isto é, a identificação, em significado, de símbolos com seus referentes (objetos, eventos, conceitos)” (MOREIRA, 2006, p. 25). Na aprendizagem de conceitos os símbolos são genéricos ou categóricos e possuem atributos criteriais comuns e são designados, em uma cultura específica, por algum símbolo aceito. Por exemplo, o símbolo bola (o som ou palavra “bola”) adquire atributos criteriais comuns a múltiplos exemplos do referente (diferentes tipos de bolas). Já na aprendizagem proposicional o desafio é aprender o significado de idéias em forma de proposição, que vai além do aprender significados de palavras isoladas ou a soma dos significados. Ausubel estabelece ainda outras relações que podem acontecer na aprendizagem – subordinação, superordenação, combinação, diferenciação progressiva, reconciliação integrativa e assimilação obliteradora – porém, não é o objetivo do texto aprofundar a discussão, mas sim apontar de forma sintética as relações presentes na aprendizagem.
                Por conseguinte, considerando as particularidades existentes entre as influências teóricas dos autores e a complexidade de tal discussão (e a pouca leitura que tenho sobre Peirce), percebe-se que a experiência (respeitando as diferenças de conceito de “experiência” entre os autores) está presente na aprendizagem tanto para Ausubel quanto para Peirce. Porém, a fenomenologia perciana amplia o que Ausubel propõe como aprendizagem, já que na semiótica de Peirce (apud MEDEIROS, 2009, p. 65) “os signos se dividem em ícones, índices e símbolos”, enquanto Ausubel (2000, p. 1) utiliza o termo símbolos arbitrários, principalmente palavras que representam algum significado para o aprendiz, isto é, “a uma generalização existente na estrutura cognitiva de quase todas as pessoas, quase desde o primeiro ano de vida – de que tudo tem um nome e que este significa aquilo que o próprio referente significa para determinado aprendiz”, por sua vez Peirce (apud MEDEIROS, 2009, p. 64) esclarece que “A palavra signo será usada para denotar um objeto perceptível, ou apenas imaginável, ou mesmo inimaginável num certo sentido”.
                Neste sentido, Peirce apresenta maiores possibilidades de mediação do sujeito (interpretante) entre o objeto (tudo que exige de nós uma conduta, uma ação) e o representamen (o que representa algo para o sujeito). Portanto, quando o sujeito move-se para conhecer o objeto ele realiza uma mediação na busca de uma generalização do que constitui esse objeto, isto é, “Esse é o sentido mais radical da máxima, que assegura na generalidade, na idéia geral, reconhecida pela mediação – terceiridade –, o significado intelectual de nossa compreensão sobre ele, constitui o próprio objeto.” (COSTA; SILVA, 2011, p. 28)

Referências

AUSUBEL, D. P. Aquisição e Retenção de Conhecimentos: Uma Perspectiva Cognitiva. Lisboa: Paralelo Editora, LDA, 2000.
COSTA, P. S.; SILVA, M. F. A. O método pragmático de Charles S. Peirce. Μετάνοια, São João Del-Rei, n. 13, 2011. Dinsponível: <http://www.ufsj.edu.br/revistalable>. Acesso em: 02 set. 2012.
MEDEIROS, T. T. Q. A Fenomenologia Pragmaticista de Charles S. Peirce. Prometeus: Filosofia em Revista, v.2, n.3, p.1-15, 2009.
MOREIRA, M. A. A teoria da aprendizagem significativa e sua implementação em sala de aula. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2006.
PEIRCE, C. S. Semiótica e filosofia. São Paulo: Cultrix, 1972.
 

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