segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Relações entre a audiodescrição e a semiótica de Peirce



Tenho estudado sobre a audiodescrição, principalmente a elaboração de materiais didáticos audiodescritos, visando à inclusão de pessoas com deficiência visual (embora a audiodescrição seja voltada às pessoas com deficiência visual, outros públicos também se beneficiam, como pessoas com deficiência intelectual, idosos, disléxicos, entre outros).
A audiodescrição é um recurso de acessibilidade em que as imagens são traduzidas em palavras, ou seja, é possível “ver” a partir da informação recebida via canal auditivo. Assim, é tanto uma tradução audiovisual quanto intersemiótica. Ela é utilizada nos mais diversos meios, tanto culturais quanto acadêmicos.
Assim, o audiodescritor, ao elaborar um roteiro de audiodescrição, precisa considerar o receptor, a pessoa com deficiência, considerando as dificuldades de compreensão apresentadas pelo produto a ser audiodescrito, sem oferecer informações privilegiadas. Assim, conforme pontua Teles (2014, p. 25), “a audiodescrição tem que ser um mecanismo de mediação concebido para que cada um possa suscitar suas próprias interpretações, cabendo ao audiodescritor ser um leitor-modelo a fim de transmitir de maneira clara as possíveis intenções do produtor audiovisual e fazer com que a pessoa com deficiência visual faça suas inferências.”
Sabemos que um texto ou uma obra pode ser interpretada de várias formas, e já que o audiodescritor passa pelo processo de semiose – o texto ou o produto imagético a ser audiodescrito é permeado pelo não dito, e a interpretação pode variar de um audiodescritor para outro. Conforme pontua Teles (2014, p. 26), “Eco, ancorado em Peirce, não nega que a corrente das interpretações pode ser infinita, mas alerta para que a questão do universo do discurso intervém para restringir o formato da linguagem a ser adotada.”
Nessa perspectiva, um audiodescritor, ao traduzir um conteúdo imagético, precisa ter, além do conhecimento das técnicas inerentes à audiodescrição, o raciocínio abdutivo, visto que, conforme Peirce, é necessário “estudar os fatos e fazer uma sugestão para explicar o que eles podem ser”, no caso da audiodescrição dos filmes, por exemplo. Também é preciso ter consciência que a partir dos signos (tanto da obra em si quanto da audiodescrição), o receptor irá construir sua interpretação (e possivelmente novos signos), a partir das relações com suas experiências; faz-se necessário também que a audiodescrição provoque as emoções, raciocínios e sensações que um vidente teria ao ver/assistir à obra. Dessa forma, o cuidado com as palavras, o raciocínio abdutivo e o conhecimento dos pressupostos da semiótica (semiose, primeiridade, secundidade e terceiridade) corroboram na elaboração de roteiros de audiodescrição mais precisos, visto que a audiodescrição é um tipo de tradução e pressupõe escolhas tradutórias.


Referência


TELES, V. C. Audiodescrição do filme A Mulher Invisível: Uma proposta de tradução à luz da estética cinematográfica e da semiótica. 2014. 103 f. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução). Universidade de Brasília, 2014. 

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