domingo, 6 de julho de 2014

A Relavância da Semiótica de Peirce no Karate Moderno

Nesta época em que o futebol esta (ainda mais) em evidencia, muita gente costuma me perguntar "... Ei, para qual time você torce?" e eu respondo "para nenhum; acho o futebol um esporte muito violento". Escuto risadas irônicas rebatendo minha resposta "Ah! Mas você faz Karate! E, Karate, sim, é um esporte violento!". Por fim, costumo dizer "Mas, Karate não é esporte! É arte marcial. É um modo de vida!". Certamente, reconheço que trata-se de um ponto de vista particular, onde cada um pensa e julga de acordo com os próprios valores, suas significações e com o contexto em que vive. Isso me remete as discussões da disciplina "Formação de professores para uma escola digital e inclusiva", dos Professores Dr. Klaus e Dra. Elisa.
Retomando a semiótica, pelo que fui capaz de compreender, o signo refere-se a tudo aquilo capaz de gerar um processo de comunicação (linguagem) a respeito de algo, bem como aquilo que representa um fenômeno ou objeto em nossa mente, pois, somos os interpretantes e este signo refere-se a um significado. Para o interpretante, isso ocorre nos três momentos que Peirce chama de primeiridade (momento da captação), secundidade (momento da reação, onde somos capazes de atribuir qualidades e relacionar experiências) e terceiridade (momento em que interpretamos).Estes signos podem ser divididos em três tipos: ícones (tudo que representa algo por semelhança), índice (tudo que nos indica algo ou nos induz a pensar em algo) e símbolo (algo que nós definimos como sendo representante de algo).
Assim, ainda muito influenciado pelas primeiras conexões que estabeleci a respeito da semiótica de Peirce com as artes marciais japonesas, procurei me imaginar no lugar de Gichin Funakoshi (considerado o "Pai do Karate Moderno") ao levar o Karate de Okinawa para o Japão, em 1924. Não se tratava de um convite como conhecemos hoje e ele não foi recebido com honrarias diplomáticas ou coisas do tipo; pelo contrário. Então, fico tentando imaginar quais foram as estratégias elaboradas por Funakoshi para fazer com que o Karate fosse introduzido no Japão, uma vez que, o Karate representava tudo aquilo que o povo japonês não desejava e como ele trilhou o caminho de ressignificações, fazendo com que o Karate fosse introduzido com sucesso em território japonês e se tornado, provavelmente, a arte marcial mais praticada no mundo atual. A dificuldade começa pelo próprio termo Karate (que significava originalmente "Técnica Chinesa de Luta com os Punhos" e que Funakoshi redefiniu como "Arte das Mãos Vazias"), pois, fazia referência direta a Dinastia Tang (China). No início do século XX, os japoneses repudiavam tudo que vinha ou fazia referência direta a China, inimiga secular do Japão.
Para melhor contextualizar, Okinawa outrora um país independente possuía um acordo de intercâmbio cultural com a China que cedia toda a tecnologia disponível. Assim, a China enviava artistas, livros, professores, bem como militares para colaborar com o desenvolvimento da ilha. Okinawa era um porto marítimo importante no oceano Pacífico e era objeto de cobiça em toda Ásia. De qualquer forma, a história conta que Okinawa foi incorporada como parte do território japonês em 1886 por meio de uma invasão. Se a China foi capaz de estabelecer uma relação de amizade, cordialidade e troca, o Japão, por sua vez, estabeleceu domínio pela força.
Quando Funakoshi chegou ao Japão, o povo japonês ainda orgulhoso de seu poderio militar na Ásia, esperava receber um Budo-Ka (expert em artes marciais) de grandiosas qualidades físicas, jovem, pronto a provar o poder daquela arte marcial que havia impressionado o imperador e desafiar qualquer um que duvidasse dela. No entanto, os japoneses receberam um homem de pouco mais de cinquenta anos, de baixa estatura e que não impressionava fisicamente, a não ser pelo fato de ser muito educado e tão humilde que praticamente se desculpava por estar ali.
Vale lembrar que figuras que pudessem atender as expectativas dos japoneses (como Budo-Ka) podiam ser encontradas aos montes em Okinawa (fisicamente avantajados, experts em combate com e sem armas), mas que não possuíam as qualidades de Funakoshi como educador, um homem de grande cultura, professor da escola pública regular, poeta, mestre em caligrafia Shodo (arte que estuda os ideogramas utilizados na escrita japonesa e chinesa. A cultura de uma pessoa também pode ser medida pela quantidade de ideogramas que conhece e que é capaz de reproduzir),  profundo conhecedor do idioma e costumes japoneses (nesta época, Okinawa possuía idioma e cultura próprio), além, é claro, de ser um especialista em Karate.
Funakoshi não desejava levar ao Japão o antigo sistema pragmático de guerra usada para matar, mas sim, uma arte que pudesse fazer com que as pessoas fossem capazes de dar um novo sentido as suas vidas. Para ilustrar a missão de Funakoshi observe a foto, retratando-o em idade avançada, em um tempo onde sua missão já estava consolidada em território japonês, onde constam detalhes que, certamente, passariam despercebidos a um leigo e podem ser analisado por meio da semiótica peirciana.
Percebe-se a preocupação em associar os "novos elementos" do "Karate moderno" à imagem de um Karate-Ka. Em suas mãos, segura o texto de sua autoria "Karate-Do Kiyohan" (no ocidente," Karate-Do: Meu Caminho"). A direita dele (no canto esquerdo inferior da foto) encontra-se um chumaço de sisal, na verdade, a parte principal de um aparelho de treino de Karate chamado "Makiwara", utilizado para fortalecimento e aperfeiçoamento de golpes de punho; um equipamento utilizado do principiante ao expert, cujo significado para os Karate-Kas se traduz no pensamento de que não há limite para o aperfeiçoamento. Para o homem moderno, este pensamento se traduz no esforço diário, na filosofia de melhoria contínua (incorporada ao sistema japonês de produção industrial - o Kaizen, que por sua vez, foi incorporado ao Sistema Toyota de Produção, o Lean Manufacturing), mantendo no espírito a humildade de praticar durante toda a vida o "básico". Ao fundo, percebe-se uma infinidade de livros, revistas, jornais, ferramentas de escrita Shodo (A arte da caligrafia é considerada uma metáfora para a própria vida, assim, alternam-se pinceladas fortes com outras mais delicadas, variando o efeito conforme a velocidade, a cor da tinta, a pressão sobre o papel, o intervalo entre traços e o próprio material utilizado. Não há retoques, esboços ou correções em uma peça, pois mesmo o "borrão" ou os espaços "falhos" sobre o papel poderão ser vistos como parte de uma totalidade), onde, provavelmente, ele mostra sua preocupação (como educador) em formar, como ele próprio dizia, "um homem sábio, mais do que um guerreiro". Segundo suas reflexões, questionava ele "... para que serve um homem forte, mas vazio de filosofia de vida?".
Tenho falado aos alunos de graduação dos cursos de Administração de empresas e de Sistemas de informação a respeito de como Funakoshi cumpriu sua difícil missão, transformando crenças e propondo ressignificações. Sua história de vida e suas qualidades retratam características importantes para profissionais de todos os segmentos, bem como mostram que é possível (e é preciso) inovar/reinventar para tornar-se competitivo.
Notadamente, estes pontos são apresentados de maneira muito sutil aos praticantes de Karate que foram capazes de encontrar um professor sério para guiá-los durante os primeiros passos. Sob esta ótica, o Karate foi estruturado como instrumento de ensino e de desenvolvimento humano. 
Para finalizar, deixo um pequeno poema da autoria de Funakoshi  como um exercício de reflexão:

Buscar o passado para entender o presente,
O velho, o novo
É uma questão de tempo
Em todas as coisas o homem deve ter a mente clara
O caminho:
Quem o transmitirá com retidão e clareza?

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