segunda-feira, 28 de julho de 2014

MARIA ÂNGELA O. S. RUBINI
A reflexão que segue abaixo, parte da leitura do texto - DA RELAÇÃO COM O SABER Elementos para uma teoria - Cap. I e II, de Bernard Charlot, um dos autores estudados na disciplina do Professor Mauro Betti. Escolhemos esse texto pela atualidade do tema abordado com a realidade cotidiana na maioria das escolas em todo o país. Segundo Charlot (2000), “Duas línguas diferentes são faladas no interior das escolas: a dos alunos e a dos professores.”
O ato de estudar possui lógicas diferentes para esses dois sujeitos, por um lado o aluno argumenta: participei de todas as aulas, estudei em casa e não concordo com a nota recebida. Por outro lado o professor retruca: esse aluno é preguiçoso e não aprendeu o que ensinei. Esse descompasso deixa claro o grande abismo que existe entre as pessoas e essas visões diferentes interferem no processo de ensino-aprendizagem.

ALGUMAS QUESTÕES SOBRE O FRACASSO ESCOLAR
Nas últimas décadas a educação tem sido o centro das atenções em diversos setores da sociedade, o ensino está em debate no Brasil e no mundo. Do ensino religioso da Companhia de Jesus à educação democrática do século XXI, observamos a trajetória das políticas educacionais, inicialmente planejadas para atender interesses religiosos e políticos, avançando pelos séculos, marcados por movimentos da sociedade civil organizada, contrapondo o governo dominante.
Com o acesso e a democratização garantidos pela Constituição Federal Brasileira (Brasil, 1988) e assumidos no art 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996), espera-se que a escola pública contribua significativamente para a democratização da sociedade e que seja um lugar para o exercício da democracia participativa. Nesta nova proposta a comunidade escolar, tem vez e voz na construção do Projeto Político Pedagógico, o aluno passa de sujeito passivo a protagonista no processo de ensino-aprendizagem.
Posto os princípios na forma da Lei, o cenário que nos é apresentado, principalmente na rede pública é preocupante e desafiador. Um dos pontos nevrálgicos na educação é a questão do fracasso escolar. Este tem mobilizado e motivado estudiosos a realizarem pesquisas e estudos, com objetivo de implementar  políticas, que visem a melhoria da educação.
Charlot (2000), em seu trabalho cita alguns dos fenômenos que são reconhecidos por docentes, sindicatos, pesquisadores e outros, que compõem o chamado “fracasso escolar”. Para o autor, essa expressão é usada para representar uma experiência, uma vivência e uma prática, ela verbaliza a reprovação, a ausência de certos conhecimentos ou competências que compreende desde a primeira série do primeiro grau ao ensino superior não concluído. É uma “chave” que nos permite interpretar o que está ocorrendo na sociedade como um todo.
A crise no sistema escolar, para muitos educadores e pesquisadores é causada por um conjunto de fatores que compreendem: a falta de recursos financeiros, a formação profissional, número de alunos por sala, questões salariais, as desigualdades sociais e outras deficiências. Diante de tantas hipóteses, descobrir a causa do insucesso e agir sobre ele com o objetivo de ultrapassar tal condição, pode ser comparada pelo autor, como o trabalho de um exorcista.
Nas décadas de 60 e 70, a sociologia da reprodução analisou o “fracasso escolar” como uma diferença entre as diferentes posições dos alunos, currículos e estabelecimentos. Os resultados apontaram que as origens do “fracasso escolar” são causadas pelas deficiências socioculturais e pela origem social, ou seja, para compreender o insucesso dos alunos é preciso comparar o aluno com a posição social dos pais. Há a reprodução das diferenças.
Terrail e Laurens (apud Charlot, 2000, p. 21), citam que a militância política e a prática religiosa, corroboram nas práticas educativas familiares que vão interferir na posição escolar da criança. Essa conclusão afirma que a criança não e apenas “filho(a) de”, mas ocupa uma certa posição na sociedade que tem a ver com os pais e com as relações que ela estabelece com os seus pares e com outros adultos, isso se constrói ao longo da vida e é singular.
Para Charlot, fracasso escolar “tem alguma coisa a ver” com a origem social, mas esta não produz o fracasso escolar. O que se constata nas pesquisas é que alguns alunos que fracassam no processo ensino-aprendizagem, pertencem a famílias populares. A teoria “deficiência” nesse contexto é uma “teoria produzida” e não uma constatação. Está arraigada na experiência profissional docente, interpretada à luz de ideologias.
É fato que cotidianamente professores observam alunos que não têm as bases necessárias para apropriar-se dos conhecimentos que a escola proporciona e que essas crianças provêm de famílias populares, mas é preciso que sejam levantadas questões que resgatem o sentido da escola para as famílias populares e seus filhos.
Em contrapartida, existem crianças de meios populares que obtêm sucesso na escola e isso deveria fragilizar a teoria da deficiência sociocultural e da origem social. Porem,tal performance é atribuída ao “dom”, são bem dotadas por isso escapam do fracasso.
A teoria da deficiência sociocultural faz uma leitura “negativa” do meio social, que é interpretada como faltas (Charlot 2000). O contrário, uma leitura “positiva”, seria uma análise desse meio relacionando o saber desse aluno, quais experiências tem? O que faz? Qual a sua interpretação de mundo?
A leitura positiva é considerar o que as pessoas conseguem realizar e não observar apenas as falhas, o que não conseguem realizar. É uma atitude epistemológica e metodológica, é ler de maneira diferente o que a leitura negativa interpreta como falta.
A leitura negativa fala em carências, deficiências, e isso gera “coisas” como o “fracasso escolar”, a “exclusão”. É a maneira como os dominantes, que se sentem como sujeitos completos, vêem os dominados.
Fazer uma leitura positiva é definir esse sujeito dominado, sabendo que ele é resultado de uma história, não é um ser passivo, antes resiste ser dominado, ele interpreta o mundo, busca transformar a sua realidade, não deveria ser manipulado pelo dominador, pois mesmo assim ainda é um sujeito singular.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL. LEI Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação nacional. Diário da União, Brasília, DF, 20 de dez. de 1996. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em 29/06/2014.


CHARLOT, B. Da Relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000.

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