A Noção de Experiência de Dewey e
a Aprendizagem Baseada em Problemas
Sidnei de Oliveira Sousa
Teóricos educacionais como Piaget, Brunner, Ausubel e Vygotsky elaboraram
teorias que fundamentam o pensamento construtivista em uma perspectiva
essencialmente cognitiva, ou seja, a perspectiva desses pensadores é determinar
o que ocorre internamente no indivíduo quando ele aprende. Mesmo Vygotsjy que
lança um olhar sobre o papel das interações sociais para a aprendizagem, mantém
seu foco no que ocorre dentro do cérebro do sujeito social para desencadear o
desenvolvimento cognitivo. É necessário, portanto, observarmos como o
repertório de conhecimentos adquiridos pela experiência (interior), afeta as
experiências futuras (exterior), no sentido de mudança de conduta.
O PBL (Problem Based Learning –
Aprendizagem Baseada em Problemas) é uma metodologia de ensino e aprendizagem
que utiliza situações-problemas como ponto de partida para a aquisição de
conhecimentos. É uma metodologia construtivista em sua essência, pois está
centrada no aluno. Em resumo, o
processo do PBL começa com a apresentação de uma situação-problema aos alunos,
sem qualquer instrução prévia acerca de informações relacionadas à sua solução.
A finalidade da resolução do problema é fazer com que o aluno estude
determinados conteúdos. Assim, os alunos trabalham em pequenos grupos para
analisar o problema e determinar quais questões se apresentam e quais
informações são necessárias para solucioná-lo. Uma vez que as questões de
aprendizagem são identificadas, os estudantes realizam um estudo autônomo antes
de retornar ao grupo para compartilhar suas descobertas e aplicá-las na
resolução do problema (MAMEDE, 2001 p. 29-30).
Dessa maneira, sem desconsiderar o aspecto cognitivo da aprendizagem, este
texto busca encarar o PBL sob uma ótica mais pragmática, ou seja, fazendo uma
reflexão de como a vida interior (carga de conhecimentos gerados a partir da
experiência) volta-se para o exterior como meio um plano de ação a partir da
mudança de conduta (TURRISI, 2002, p. 5). A contribuição de John Dewey para a
renovação do pensamento educacional representa a matriz conceitual na qual está
fundamentado o PBL. A obra Democracia e
Educação de Dewey é creditada como a base intelectual para o desenvolvimento do
PBL. A teoria de Dewey, considerada como
uma filosofia da experiência, ressalta como extremamente relevante a
experiência para o processo de aprender (PENAFORTE, 2001, p. 59).
A teoria de Dewey abandona a noção de aprendizagem passiva, na qual a
mente é um receptáculo vazio esperando ser preenchida por informações. Dewey
rompe com a ideia de que os conhecimentos prévios nada significam para o que se
pretende aprender. Ele descarta a aprendizagem que ocorre fora do contexto das
experiências, bem como o armazenamento na memória de dados sem significado e
experiências que terminam em si mesmas. Da mesma forma, desconsidera que a
motivação para aprender represente uma força externa, porque ela é intrínseca
ao indivíduo. Encarar a educação como aquisição de hábitos mecânicos de pensar
e agir é inconcebível para Dewey. Dessa maneira, a estrutura do sistema
educacional clássico é rejeitada. Em seu lugar, propõe-se uma filosofia de
educação centrada na experiência. Na teoria de Dewey, a educação é a contínua
reorganização e reconstrução da experiência, a busca constante de significados
em um mundo precário e instável. Nesse contexto, a aprendizagem parte de
problemas que abarcam inquietação, dúvida e obscuridade, para, através de um
esforço ativo, trazer clareza, coerência e harmonia. Segundo Dewey, a educação
centrada na experiência gera elementos que possibilitam lidar mais habilmente
com condições problemáticas futuras. O ser que aprende é movido por um impulso
inerente a ele próprio, que projeta seu eu sobre um ideal que é percebido como
possuidor de significância pessoal. A educação, para Dewey, é sinônimo de
crescimento continuado (PENAFORTE, 2001, p. 77). DEWEY (1959b, p. 108) expressa
tal convicção em uma frase emblemática que se configura como a essência do PBL:
(...) o objetivo da educação é habilitar os indivíduos
a continuar sua educação – ou que o objetivo ou recompensa da educação é a
capacidade para um constante desenvolvimento.
Além disso, a teoria da experiência de Dewey enfatiza que nem todas as
experiências são educativas. Uma experiência é educativa, quando possibilita o
crescimento para experiências subsequentes, ou seja, quando atende ao critério
de educação como crescimento (DEWEY, 1971, p. 14). Nesse sentido, a teoria da
experiência proposta por Dewey abarca dois princípios que se articulam para que
possam resultar em uma experiência educativa: o da continuidade e da interação.
1) o princípio da continuidade, ou o continuum
experiencial, aplica-se sempre que houver a necessidade de discriminar entre
experiências de valor educativo e aquelas sem tal valor (DEWEY, 1971, p. 23).
Semelhante princípio, como critério de diferenciação entre experiências,
envolve, segundo DEWEY (1971, p. 26),
(...) a formação de atitudes tanto emocionais, quanto
intelectuais; envolve toda nossa sensibilidade e modos de receber e responder a
todas as condições que defrontamos na vida. Desse ponto de vista, o princípio
de continuidade de experiência significa que toda e qualquer experiência toma
algo das experiências passadas e modifica de algum modo as experiências
subsequentes.
Assim, agir como se não fizessem diferença alguma as experiências que os
alunos trazem para uma situação proposta em sala de aula pode ser considerado
uma violação do princípio da continuidade e, consequentemente, resultar em desastre
educacional (JACKSON, 2010, p. 122).
2) O princípio da interação diz respeito às trocas que ocorrem entre nós
e nosso ambiente, ou seja, enfatiza o modo como agimos sobre o mundo e como o
mundo age sobre nós. Para DEWEY (1971, p. 36), há situações fora do indivíduo
que são responsáveis pelo surgimento das experiências, uma vez que ocorre uma
transação entre um indivíduo e o que, ao seu tempo, é o seu meio.
Consequentemente, os conceitos de situação
e de interação são indissociáveis um
do outro.
No princípio da interação, devem-se considerar as especificidades da
situação como um todo, o que inclui o material a ser trabalhado, a natureza da
escola enquanto instituição, as expectativas sociais impostas pelo mundo
exterior, entre outras condições objetivas (meio) (JACKSON, 2010, p. 123). Mas
também devem ser consideradas as condições internas do indivíduo, ou seja, as
capacidades e os propósitos daqueles que serão ensinados (DEWEY, 1971, p. 39).
Acerca dos princípios destacados, podemos situá-los tanto na escola
quanto na vida, pois DEWEY (1971, p. 37) sintetiza sua teoria da seguinte
forma:
Os dois princípios de continuidade e interação não se
separam um do outro. Eles se interceptam e se unem. São, por assim dizer, os
aspectos longitudinais e transversais da experiência. Diferentes situações
sucedem umas às outras. Mas, devido ao princípio de continuidade algo é levado
de uma para outra, seu mundo, seu meio ou ambiente se expande ou se contrai.
Depara-se vivendo não em outro mundo mas em uma parte ou aspecto de um mesmo
mundo. O que aprendeu como conhecimento ou habilitação em uma situação torna-se
instrumento para compreender e lidar efetivamente com a situação que se segue.
O processo continua enquanto vida e aprendizagem continuem. A unidade substancial
do processo decorre do fator individual, elemento integrante da experiência.
Quando esse fator se rompe, o curso da experiência com tal ruptura entra em desordem. E o mundo se
divide. Um mundo dividido, um mundo cujas partes e aspectos não se justapõem, é
sinal e causa de uma personalidade dividida. Quando a divisão atinge certo
ponto, chamamos a pessoa insana. Uma personalidade completamente integrada, por
outro lado, só existe quando as sucessivas experiências se integram umas com as
outras e pode ela edificar o seu mundo como um universo de objetos em perfeito
relacionamento.
Se o papel fundamental do
professor no PBL é estimular o pensamento crítico e o autoaprendizado, o papel
do aluno é, efetivamente, pensar e não só replicar ou memorizar informações.
Nessa perspectiva, DEWEY (1959a, p. 104-105) argumenta que tal habilidade deve ser desenvolvida em um
contexto propício,
Provavelmente, a causa mais freqüente pela qual a
escola não consegue garantir que os alunos pensem verdadeiramente é que não se
provê uma situação experimentada, de tal natureza que obrigue a pensar,
exatamente como o fazem as situações extra-curriculares.
Para DEWEY (1959a, p. 14),
a reflexão não pode ser encarada como uma sequência de técnicas a serem
aplicadas universalmente em uma situação, mas como uma consequência, uma reação
provocada por uma ação – na reflexão. Desse modo, cada ideia gera a seguinte
como seu próprio efeito natural e, ao mesmo tempo, apoia-se na ideia
antecessora ou a esta se refere.
Dessa forma, podemos situar
o uso da metodologia PBL em sala de aula como um elemento ou sugestão de
prática pedagógica que, efetivamente, coloca a teoria pragmatista em movimento,
ou seja, é uma possibilidade para que, como Costa (2011, p. 26) argumenta, um
conceito a ser aprendido seja a soma total das consequências práticas
concebíveis.
Referências
COSTA, Paulo H. S. O Método
Pragmático de Charles S. Peirce. Revista Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13,
2011. Disponível em: http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/revistalable/2_BICALHO_O_METODO_PRAGMATICO_DE_CHARLES_S__PEIRCE__revista_met.pdf.
Acesso em: 11/04/2014.
DEWEY, John. Como Pensamos. São
Paulo: Companhia Editora Nacional,1959a.
DEWEY, John. Democracia e
educação: introdução à filosofia da educação. Tradução por Godofredo Rangel,
Anísio Teixeira. 3. ed. São Paulo: Nacional, 1959b.
DEWEY, John. Experiência e
Educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971.
JACKSON, Philip W. Experiência e
Educação de Dewey Revisitada. In: DEWEY, John. Experiência e Educação.
Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2010.
MAMEDE, Silvia. Aprendizagem Baseada em Problemas: Características,
Processos e Racionalidade. In: Mamede, Silvia; Penaforte, Júlio César (Orgs.).
Aprendizagem baseada em problemas: anatomia de uma nova abordagem educacional. São Paulo: Hucitec/ESP-CE,
2001.
PENAFORTE, Júlio César. John
Dewey e as raízes filosóficas da aprendizagem baseada em problemas. In MAMEDE,
Silvia; PENAFORTE, Júlio César (Orgs.). Aprendizagem baseada em problemas:
anatomia de uma nova abordagem educacional. São Paulo: Hucitec/ESP-CE, 2001.
TURRISI, Patrícia. O Papel do
Pragmatismo de Peirce na Educação. Revista Cognitio: Revista de Filosofia,
número 3, novembro de 2002. Disponível em: www.pucsp.br/pragmatismo/dowloads/btc3_turrisi.doc. Acesso em: 11/04/2014.
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