Para o educador inglês, todo
professor deveria atuar como um investigador para ser capaz de criar o próprio
currículo
Revista Nova Escola - Especial
Grandes Pensadores – Outubro 2008
Texto
disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/historia/fundamentos/lawrence-stenhouse-428144.shtml?page=0#
Márcio
Ferrari
Lawrence
Stenhouse
É impossível falar em professor-pesquisador sem
citar o nome de Lawrence Stenhouse (1926-1982). A necessidade de utilizar a
investigação como recurso didático já era discutida desde a década de 1930, mas
foi esse inglês quem jogou luz sobre o tema, 30 anos mais tarde. "A
técnica e os conhecimentos profissionais podem ser objeto de dúvida, isto é, de
saber, e, conseqüentemente, de pesquisa", justificava. Assim, acreditava
ele, todo educador tinha de assumir seu lado experimentador no cotidiano e
transformar a sala de aula em laboratório. E, tal qual um artista, que trabalha
com pincéis e tintas e escolhe texturas e cores, o profissional da educação
deveria lançar mão de estratégias variadas até obter as melhores soluções para
garantir a aprendizagem da turma. Em condições ideais, todos seriam capazes de
criar o próprio currículo, adequado à realidade e às necessidades da garotada.
"Suas idéias, que têm mais
de 40 anos, estão na pauta da educação atual", diz a professora Menga
Lüdke, do Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do
Rio de Janeiro. De fato, os conceitos mais recentes sobre as competências para
ensinar incluem a postura reflexiva, a capacidade de analisar a própria prática
e a partir dessa análise efetuar ajustes e melhorias no trabalho de sala de
aula.
Mas nem sempre foi assim. Muitas
das propostas de Stenhouse foram desprezadas porque ele procurava resolver
problemas - como o da autoridade do professor em sala de aula - com propostas
educativas de efeitos de médio e longo prazo. E muita gente, dentro da própria
escola, prefere soluções instantâneas.
A eficácia das teorias pôde ser
comprovada enquanto ele ainda estudava o tema. No final dos anos 1960,
trabalhando no Schools Council for Curriculum and Examinations (Conselho
Escolar de Currículo e Avaliação), de Londres, ele criou e pôs em prática um
currículo específico para atender jovens de classes populares - com excelentes
resultados. Entre outras coisas, porque todos eram tratados com respeito, algo
fundamental nas relações escolares para Stenhouse. "Os estudantes rendem
mais quando são recebidos e acolhidos com consideração", dizia sempre. E isso,
todo professor sabe, não é difícil. Basta estar aberto e ouvir a turma.
Sem medo de aprender
Lawrence Stenhouse
dizia que todo professor deveria assumir o papel de aprendiz. Esse é um tema
recorrente no pensamento educacional. Muitos dos atuais programas e materiais
de educação continuada partem exatamente desta premissa: quem mais precisa
aprender é aquele que ensina. Quando o professor está aberto para aprender
continuamente, deixa de se comportar como dono do saber. "Creio que a
maior parte do ensino que se oferece nas escolas e universidades estimula esse
erro", afirmou o pensador na aula inaugural que proferiu na Universidade
de East Anglia, na Inglaterra, em 1979, intitulada Research as a Basis for
Teaching (A Pesquisa como Base para Ensinar). É por isso que muitas pessoas que
passaram pela escola têm com o saber uma relação de pouca autonomia,
entendendo-o como reafirmação da certeza autorizada. A elas foi negado o prazer
de viver a aventura do conhecimento investigativo.
Stenhouse foi pioneiro
em defender que o ensino mais eficaz é baseado em pesquisa e descoberta. Mais
uma vez se pode identificar o pensamento desse notável pedagogo inglês em
métodos muito atuais, como os projetos de trabalho. Para que eles funcionem, é
preciso, como recomendava Stenhouse, que o professor deixe de colocar-se como
autoridade cujo conhecimento não suporta contestação.
A autoridade em sala de aula
Na década de 1970,
Stenhouse fundou, junto com um grupo de colegas, o Centre for Applied Research
in Education, Care (Centro para Pesquisa Aplicada em Educação), dentro da
Universidade de East Anglia. Seu objetivo principal era elaborar um modelo de
ensino no qual todo professor fosse capaz de manter a autoridade, a liderança e
a responsabilidade em sala de aula sem transmitir a mensagem de que só o saber
lhe confere esse poder.
Ele propôs, mais uma
vez, um modelo de ensino baseado na pesquisa. Até hoje o Care tem como foco a
necessidade de desenvolver nos docentes da Educação Básica a consciência de que
a investigação ajuda - e muito - no dia-a-dia. Essa é a versão inglesa do
professor reflexivo, idéia cara a outros pensadores europeus.
As experiências
desenvolvidas na Inglaterra provaram que é possível ser mais autônomo e, ao
mesmo tempo, agir de forma coerente com os valores e princípios do projeto
educacional. Para Stenhouse, a investigação no cotidiano escolar deveria
envolver, além dos professores, também os estudantes e a própria comunidade. É
o que passou a ser chamado de pesquisa-ação: classes que servem de laboratório,
mas permanecem sob o comando de professores, não de pesquisadores.
Um projeto corajoso
A proposta do
Humanities Project, do Schools Council for Curriculum and Examinations, era
desenvolver um processo educativo que levasse em conta o indivíduo, sua relação
com os demais na sociedade e os problemas decorrentes dessa interação. À frente
do projeto, Stenhouse testou as hipóteses a que havia chegado, como parte de um
processo de modernização pedagógica das escolas estatais. O objetivo era provar
que garotos e garotas pobres, ao concluir o ensino obrigatório, eram capazes de
alcançar um nível intelectual só atingido, até então, pela elite. Também teve
como foco pesquisar o perfil do educador de países democráticos que, em sala de
aula, enfrentava discussões sobre questões éticas e de valor. O plano envolveu
estudantes que haviam acabado de concluir sua formação e durou de 1968 a 1970.
Cerca de 150 professores de 36 escolas da Inglaterra e do País de Gales puseram
as idéias em prática. Ao final, os jovens conseguiam, de fato, travar
discussões de alta qualidade.
Biografia
Professores
de escola inglesa: o docente como aprendiz permanente
Filho de escoceses, Lawrence Stenhouse nasceu em
Manchester, na Inglaterra, em 1926. Concluiu o mestrado em educação aos 30
anos. Foi docente da Educação Básica antes de iniciar carreira na universidade.
Sua primeira experiência foi na Durham University. Depois se transferiu para o
Jordanhill College of Education, em Glasgow, a capital da Escócia. Em 1966, foi
convidado a assumir a direção do Humanities Project - um projeto de
desenvolvimento curricular do Reino Unido. Nesse cargo, teve a oportunidade de
transformar um conjunto de teorias em estratégias que educadores de qualquer
nível de ensino podiam utilizar. Aproveitou para incorporar nesse projeto
algumas de suas preocupações, como o direito do aluno ao saber, a conexão dos conteúdos
escolares com o conhecimento de mundo e a importância do diálogo como método
pedagógico. O projeto foi testado durante dois anos, até 1970. Em seguida,
Stenhouse criou, com alguns colegas, o Centre for Applied Research in
Education, na Universidade de East Anglia, na cidade britânica de Norwich. O
objetivo do centro era compreender os problemas da prática docente, sem perder
de vista a idéia do professor como pesquisador. Em 1975 escreveu An
Introduction to Curriculum Research and Development (Uma introdução à pesquisa
e ao desenvolvimento curricular), sua obra mais conhecida. Morreu sete anos
mais tarde.
Stenhouse na escola: autonomia no
currículo
Discussão
em sala de aula: o consenso deve ser o objetivo do professor
Stenhouse estimulou a pesquisa na Educação Básica,
mas dizia que o professor também deveria se preocupar em desenvolver o próprio
currículo escolar. Para ele, esse processo se daria por meio da reflexão de
cada profissional sobre sua prática diária - um conceito, sem dúvida, atual.
Muitos afirmam hoje que o docente não deve ser um mero transmissor de conteúdos
previamente definidos, mas um sujeito que pensa e analisa criticamente seu
ofício. "A investigação é o único meio de construir um pensamento
independente e não mais reproduzir o discurso alheio", analisa a
professora Menga Lüdke, da PUC do Rio. "Quem tem uma pesquisa competente
como rotina fica mais autônomo e tem plenas condições de desenvolver um currículo
próprio." Sem esquecer o alerta deixado por Stenhouse: na hora de definir
o plano curricular, é preciso sempre trocar experiências com os colegas e os
estudantes.
Para pensar
Lawrence Stenhouse defendia a figura do
professor-pesquisador. Ele julgava necessário que o docente tivesse pleno
domínio da prática pedagógica e acreditava na investigação como único caminho
para isso. Portanto, a investigação em sala de aula deve ser voltada para a
prática. Não é um trabalho acadêmico e puramente teórico. A expressão pesquisa-ação,
criada por ele e divulgada por seus seguidores, quer dizer exatamente isso:
pesquisa que se faz do fazer e para melhorar o fazer do professor ou de outros
profissionais. Dentro dessa concepção, você se considera um pesquisador? O
curso de formação de professores está preparando os profissionais de amanhã a
praticar essa pesquisa-ação, expressão cara não só para Stenhouse, mas para
todos que se dedicam ao aperfeiçoamento da prática pedagógica?
Quer saber mais?
Cartografias do Trabalho Docente - Professor(a)-Pesquisador(a), Corinta Maria G. Geraldi, 336
págs., Ed. Mercado das Letras.
O Professor e a Pesquisa, Menga Lüdke, 112 págs., Ed.
Papirus.
Pedagogias do Século XX, vários autores, 160 págs., Ed.
Artmed.
No site, http://research.uea.ac.uk/care,
você tem acesso aos projetos desenvolvidos pelo Care (em inglês)
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