segunda-feira, 5 de maio de 2014

As diferentes relações com o saber

Em sua obra “Da relação com o saber: elementos para uma teoria”, Charlot (2000) apresenta uma discussão acerca da relação com o saber estabelecida pelo indivíduo durante seu desenvolvimento. Especificamente a leitura do capítulo 4 - “O ‘Filho do Homem’: obrigado a aprender para ser (uma perspectiva antropológica)” – me fez pensar em alguns pontos acerca da possibilidade ou não do estabelecimento desta relação.
Charlot (2000) busca compreender o sujeito e sua forma de estar no mundo, organiza-lo e organizar-se para sua construção e transformação, considerando este sujeito na singularidade de sua história e na atividade que realiza.
De acordo com o autor “(...) o homem não é, deve tornar-se o que deve ser; para tal, deve ser educado por aqueles que suprem sua fraqueza inicial e deve educar-se, tornar-se por si mesmo” (CHARLOT, 2000, p. 52). Conforme podemos inferir, a relação do homem com o saber se dá, também, pela educação: em sua incompletude e prematuração, o homem sobrevive por nascer em um mundo humano, preexistente, já estruturado, que lhe “ensina”, “educa” para tal.
Sendo assim, podemos pensar nas diferentes relações estabelecidas pelo homem com o saber, seja o saber que ele mesmo desenvolve ou aquele saber já instituído na sociedade em que vive, e para isso vamos pensar no acesso e permanência na escola das crianças e adolescentes trabalhadores: qual a relação com o saber estabelecida por crianças e adolescentes que trabalham? Como a escola esta (des)preparada para acolher, partilhar, aprimorar esta relação? Como são valorizados os “saberes” que eles trazem?
O trabalho infantil é um fenômeno antigo, revestido de um caráter cultural e social, que ocorre em todo o mundo, atingindo crianças e adolescentes, meninos e meninas, com o agravante de ser subnotificado em algumas situações.
Muitas vezes, crianças e adolescentes que exercem algum tipo de atividade laboral, seja para o seu sustento e/ou o de sua família, seja por questões pessoais, acabam tendo sua escolarização prejudicada, fator que lhes acarreta prejuízos educacionais preocupantes a médio e longo prazos. Sendo a escola a instituição dedicada ao trabalho de educação destes pequenos, se torna imprescindível que ela estabeleça meios para que a relação com o saber necessária a estes sujeitos se torne eficaz. De outro modo, cabe à escola atentar para as relações com o saber que são constituídas e/ou veiculadas em seu interior, por todos os seus alunos.
Sendo a educação um sistema que pode auxiliar o ser humano em seu processo de aprender, em seu movimento próprio de construção, também é preciso se atentar para o fato de que essa construção se dá por um movimento longo, complexo, nunca completamente acabado e que também contribui para a construção de seu entorno. Como enfatiza Charlot (2000, p.54) a educação é “produção de si por si mesmo, possível pela mediação do outro e com sua ajuda”.

Diante deste panorama, torna-se necessário, no interior das escolas, uma discussão e uma atenção maior às relações com o saber possíveis às crianças e adolescentes trabalhadores. Sabendo-se que o ser humano nasce inacabado e deve constituir-se ao longo de sua vida de dentro de si e apropriando-se de uma humanidade que lhe é exterior, essa produção exige a mediação do outro, a presença de um outro indivíduo que contribua neste processo, como os pais, professor, amigos, familiares etc, e que sejam favorecedores deste processo. Acredito ser nosso papel, enquanto professores, essa atenção a todos os alunos, inclusive àqueles que trabalham.

Aline Madia Mantovani.

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