Contribuições do pragmatismo peirciano para
se pensar a formação inicial de professores
Dulcinéia Beirgio de Souza
Muitas pesquisas na área da educação (Pimenta, 1999; Gatti,
2010) tem ratificado a dificuldade dos cursos de formação inicial de professores em
proporcionar uma formação de qualidade, o que se tem constatado é que
estes cursos não têm se configurado uma
variável significativa na formação destes professores, que no exercício da profissão tem se apoiado em
saberes já tradicionalmente instaurados
no cotidiano das escolas, seja pela "imitação" das práticas que lá veem ou pelas vivência enquanto aluno na sua
trajetória de vida, não rompendo ou
ajustando hábitos estáveis na educação.
As dificuldades do curso de formação inicial em se transformar em
referencial para a prática docente tem fomentado pesquisas e mais pesquisas, projetos e mais
projetos (PARFOR, PIBID) na intenção de unir teoria e prática na formação, muitas vezes pressupondo que a
aquisição de conceitos por si só implica em
mudanças de conduta na ação pedagógica.
As leituras
de Peirce nas aulas da disciplina: “Saberes
Entre os Saberes Docentes e
Aprenderes Discentes: questões teóricas e metodológicas”, ministradas pelo professor Mauro Betti, se mostraram
bastante profícuas para repensar o
modelo de formação que temos. As
concepções de experiência e aprendizagem
cunhadas pela semiótica perciana nos dá subsídios para conceber uma nova experiência de formação de professores. Com
este teórico, aprendemos que é preciso mudar nosso olhar, nossa postura analítica, para compreender a lógica dos fenômenos em educação.
Para Peirce
somos do mundo e com ele
estabelecemos continuamente uma relação interpretante, capaz de produzir pensamento, conhecimento. No entanto, para produzirmos
experiência que culminam em aprendizagens temos que passar por um processo por ele
definido em três momentos interpretativos:
A primeira e principal é a
qualidade rara de ver o que está diante dos olhos, como se presenta, não
substituído por alguma interpretação
(...). É esta a faculdade do artista que vê as cores aparentes da natureza como
elas realmente são.
A segunda faculdade com que devemos armar-nos
é uma discriminação resoluta que se pendura como um bulldog naquela característica
que estamos estudando.
A terceira faculdade de que
necessitamos é o poder generalizador do matemático, que gera a fórmula abstrata
que compreende a verdadeira essência da característica em estudo, purificada de
toda mistura adventícia “ (PEIRCE, 1974, p.23, apud BETTI).
Segundo Silva (2008), todo conhecimento fundamenta-se
nesses três momentos da experiência. Assim, a aprendizagem significativa para Peirce se constitui no
processo de aquisição de conceitos
e implica modificação de condutas. Nesta perspectiva, a
experiência é um processo da relação do
indivíduo com o mundo e a
experiência perceptiva é um instrumento
importante na produção de conhecimento. “
A experiência perceptiva se caracteriza pela interdependência entre
sujeito/espécie e meio ambiente, de acordo com uma co-evolução, que demonstra
tanto as propriedades da pessoa, como do mundo num processo de ajuste e
reajustes.”(RODRIGUES, 2010,p.163)
Se temos como objetivo fazer um curso capaz de mudar a cultura da prática educativa, devemos
pensar o curso como uma nova forma de se relacionar com os
fenômenos pedagógicos, para isso é preciso fazer dele uma prática capaz de afetar-nos e afetar o outro, no caso o aluno, de modo a provocá-lo
a mudar de hábito, questionar crenças arraigadas no modos de saber, ser e
sentir a educação. Isto exige uma
conduta diferente dos formadores que devem viver cada momento do curso como
espaço de conhecimento com inúmeras possibilidades interpretativas, dadas as múltiplas
interpretações dos signos que compõe o universo educacional. É preciso olharmos os
fenômenos da educação com estranheza, “...reconhecer que ainda não temos conhecimento satisfatório”(Peirce,1972, p.46),
isto é, perquirir. O que implica abandonar vaidades e certezas, mudar de posição a todo momento na relação pedagógica.
Considerar cada aula, cada turma, cada aluno como uma nova experiência a se viver mediada pelos conteúdos que devem ser experenciados,
serem analisados com dúvida, perquirição,
em busca de novas relações interpretantes .
O desafio
posto para os cursos de formação docente é, parafraseando Silva (2008), participar das formulações sígnicas do aluno, entendendo
que este está em semiose constantemente, ou seja produzindo sentidos e
significações sobre ser professor e
escola.
Se não “...abrir os olhos do espírito e olhar bem os
fenômenos e dizer quais suas
características, quer o fenômeno seja externo,
quer pertença a um sonho, ou uma idéia geral e abstrata da ciência” (PEIRCE, 1974, p. 23,
apud Betti,)ficaremos batendo a cabeça e
produzindo pesquisas retóricas, que só
repetem o que já foi constatado e não
produzem mudanças que estamos
necessitando em educação.
REFERÊNCIAS
GATTI,
B. Educação, escola e formação de professores: políticas e impasses. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 50, p. 51-67, out./dez. 2013.
Editora UFPR.
RODRIGUES, L. O problema da
identidade pessoal no âmbito do pragmatismo. Cognitio-Estudos: Revista eletrônica de filosofia, São Paulo. Vol.
7, nº2, jul-dez, 2010, pp.160-165
SILVA, A. C. T da. A Perspectiva semiótica da educação. Revista Teoria e Prática da Educação,
Maringá, vol. 11, nº3, p.259-267, set./dez. 2008.
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