Uma reflexão sobre a educação e a questão da
desigualdade social
Sidnei de Oliveira Sousa
Sidnei de Oliveira Sousa
É importante
ressaltar que esse texto não tem a intenção de se aprofundar em questões ideológicas,
visa apenas refletir sobre a configuração da escola em termos de indivíduos, métodos
e interesses e seu papel na sociedade. Nesse âmbito, Charlot (2013) chama a
atenção para o fato de que os professores vivem um dilema que beira a
esquizofrenia, se por um lado devem se declarar “construtivistas” porque é o hype do momento, ou seja, causa uma boa
impressão, por outro lado sabem que suas ações pedagógicas são limitadas por
uma escola bastante tradicional que atendem a interesses bastante específicos. Nessa perspectiva, a escola se aproxima muito de uma
fábrica com procedimentos rigorosamente definidos, nessa “fabrica”, a ênfase
recai sobre a perpetuação de métodos que visam aumentar o “capital humano” dos
alunos e torná-los aptos a ocupar as melhores posições no mercado de trabalho (CHARLOT,
2013). Segundo Valente (1993), a educação atual baseia-se no racional da
educação produtivista, assim,
A
escola pode ser vista como uma linha de montagem, em que o aluno é o produto
que está sendo educado ou “montado” e os professores são os “montadores”, que
adicionam informação ao produto. Além disso, existe a estrutura de controle do
processo de “produção”, formada por diretores, supervisores que verificam se o
“planejamento da produção”, traduzida em termos de métodos, currículo e
disciplinas, está sendo cumprido.
Na visão de Singer
(1996), a argumentação defendida pelos partidários da abordagem produtivista
de educação concebe a escola como uma forma de preparar o indivíduo para o
ingresso no mercado de trabalho da forma mais vantajosa possível, enfatizando
que a vantagem individual é ao mesmo tempo social, pois o bem-estar de todos é
resultante da soma dos ganhos individuais. Para Charlot (2013) tal configuração
da escola legitima a desigualdade social.
Dessa maneira, as
intervenções do Estado sob a égide dos novos discursos sobre os processos
cerebrais da aprendizagem ou sobre a inserção dos computadores ou tablets no ambiente escolar, muitas
vezes, são responsáveis por mascarar uma ideologia que fomenta a desigualdade
social (CHARLOT, 2013).
Assim, tal situação é
propícia para conduzir os indivíduos a um sentimento de conformidade em relação
aos problemas que insistem em persistir, seja na escola ou na sociedade em geral. Ao legitimarem as
intervenções do Estado, inclusive na escola a partir de discursos progressistas,
as pessoas acreditam que os problemas que permanecem independem da atuação ou
da vontade delas próprias, são fatalidades, pois ao empregar políticas sociais
o Estado se mostrou atuante e preocupado com todos (FALEIROS, 1991).
Esta posição de conformidade
foi combatida por Paulo Freire até seus últimos dias de vida, quando defendeu
que a resignação é uma forma de adaptação,
na qual há uma adequação, um ajuste do corpo às condições materiais,
históricas, sociais, geográficas, climáticas, etc em detrimento de uma inserção na sociedade, o
que implicaria uma tomada de decisão no sentido de uma intervenção no mundo
(FREIRE, 1997). O educador Seymour Papert, em um debate com Paulo Freire,
afirma que a escola e o acervo do saber são usados pelas estruturas sociais
dominantes como base para todos os tipos de conservadorismos e políticas
opressivas e que os alunos precisam de instrumentos que os ajudem a rejeitarem
a opressão e a manterem a curiosidade e senso do seu próprio poder intelectual
(FREIRE; PAPERT, 1995). Indivíduos conscientes intelectualmente recusarão
qualquer posição fatalista diante da história ou dos fatos, recusarão
expressões como “É uma pena que haja tantos brasileiros e tantas brasileiras
morrendo de fome, mas afinal a realidade é assim mesmo”, refutarão como
ideológica tal afirmação, e compreenderão que nenhuma realidade é “assim
mesmo”, toda realidade está submetida à possibilidade de nossa intervenção
(FREIRE, 1996, p. 109).
A chave para a
independência intelectual visando à transformação da sociedade está em uma
reconstrução gradativa dos materiais e dos métodos escolares, de maneira que
sejam desenvolvidas atividades entre os alunos que privilegiem ocupações ou
vocações sociais contínuas e cumulativas. Isto significa que modificar os
principais e mais recalcitrantes aspectos da sociedade implica em fornecer aos
alunos subsídios para que eles possam criar nas escolas uma projeção do tipo de
sociedade que querem realizar (DEWEY, 1959).
Referências
CHARLOT,
B. A mistificação pedagógica: as formas
contemporâneas de um processo perene - prefácio à nova edição brasileira.
In: _____. A mistificação pedagógica: realidades sociais e processos
ideológicos na teoria da educação. São Paulo: Cortez, 2013. p. 33-50.
DEWEY,
J. Democracia e educação: introdução à
filosofia da educação. Tradução por Godofredo Rangel, Anísio Teixeira. 3.
ed. São Paulo: Nacional, 1959.
FALEIROS.
V. de P. O que é Política Social.
São Paulo: Brasiliense, 1991.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários
à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996
FREIRE,
P. Vídeo: Paulo Freire:
Ultima Entrevista. TV PUC de São Paulo Local: PUC/SP Emp. Produtora: TV PUC de São Paulo, 1997. (7
min):sonoro, colorido. Disponível em:
http://www.paulofreire.ufpb.br/paulofreire/Files/videos/Ultima_Entrevista_parte_1.mpg
Acesso em: 05 de
novembro de 2014.
FREIRE, P. e PAPERT, S. Vídeo: O Futuro da escola e o impacto
dos novos meios de comunicação no modelo de escola atual. Márcia Moreno e
Marco Aurélio Del Rosso. São Paulo: TV PUC de São Paulo com apoio do Jornal da
Tarde e Agência Estado, 1995. 1 DVD (115 min):sonoro, colorido. DVD.
SINGER,
P. Poder, política e educação.
Revista Brasileira de Educação, Belo Horizonte, n. 1, p. 5-15, 1996.
VALENTE,
José Armando. Mudanças na Sociedade,
Mudanças na Educação: O Fazer e o Compreender. In: VALENTE, José Armando.
(org.) O Computador na Sociedade do Conhecimento. Campinas: Gráfica Central da
UNICAMP, 1993.
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