Marisa Oliveira Vicente dos Santos
Ao
encontrar-me com o livro Educação
(Física) Infantil: a experiência do Se-Movimentar de Elaine Gomes-da-Silva
senti-me impulsionada a compartilhar esta postagem a partir de experiências que
tenho vivido na Educação Infantil.
A
autora, ao tratar do “mistério indesvendável” (Gomes-da-Silva, p. 24) de suas
aulas em que as crianças participavam empaticamente numa relação que fluía de
um modo diferente, nos leva a saber que tal mistério era o “fluxo do movimento
expressivo” assim conceituado a partir da semiótica peirciana. O trabalho da
autora/professora de Educação Física, na época chamado de “expressão corporal”,
possibilitava o movimento como “experiência vívida” e foi posteriormente
retomado a partir de uma “compreensão teoricamente fundamentada” com
contributos da Educação Física, da Pedagogia, da Sociologia da Infância, da
Fenomenologia e, especialmente, da Semiótica peirciana.
Considerando
que “... é necessário à Pedagogia da Educação Infantil proporcionar uma prática
pedagógica em fluxo, restituindo, para tal, as singularidades/alteridades, de
modo a contemplar uma prática pedagógica vívida”
(p. 57) podemos nos permitir uma passagem por experiências comuns nas
instituições de Educação Infantil. Ao tratar de tal tema meu pensamento é quase
imediatamente atraído para as imagens dos bebês nas experiências do
se-movimentar. Infelizmente ainda em muitas instituições as práticas
pedagógicas tolhem os movimentos das crianças pequenas; berços, cercadinhos,
espaços limitadores das experiências de um modo geral. Recordo-me de uma charge
do Tonucci (1997, p. 29) em que um bebê aparece dentro de cercadinho segurando
nas grades e olhando para o espaço externo com expressão de tristeza enquanto a
mãe, ou adulta responsável, fala para alguém ao telefone “Você tem que ver como
ele está feliz dentro do cercadinho com todos os seus brinquedos!”.
Quando
os movimentos das crianças não são tolhidos ainda assim, em geral, há grande
dificuldade de compreender a criança em sua relação com o movimento, ou a
criança em movimento, a criança e sua experiência de se-movimentar. Há também
dificuldade de compreender a criança em sua singularidade, em sua condição de
sujeito, em sua necessidade de interagir, relacionar-se, comunicar-se.
Acredito
que se tomarmos como tarefa específica possibilitar que as experiências das
crianças na Educação Infantil sejam vívidas, a beleza e a consistência advindas
da prática pedagógica serão indescritíveis. Utilizo o termo indescritível no
sentido de que se diferenciarão em muito do “desequilíbrio” que ora “define a
Educação Infantil, ou seja, a preferência unívoca, adultocêntrica e, ousamos
dizer, ‘professorcêntrica’” (Gomes-da-Silva, p. 51). Experiências vívidas que
no fluxo poderão ser interpretadas, analisadas, generalizadas; farão parte de
uma produção científica da prática pedagógica na educação infantil. Ou serão
simplesmente vividas com a intensidade necessária à condição humana em sua
relação com todos os outros objetos e seres.
Lembro-me
de meu dia-a-dia na Educação Infantil em que partilhamos as experiências das
crianças no se-movimentar: aventurar-se a agarrar um objeto, levá-lo à boca,
mostrar aos outros a conquista com um largo sorriso nos lábios, rolar pela
primeira vez e se assustar, tentar de novo, incomodar-se com o ficar de bruços
e depois sentir prazer em movimentar-se nesta posição, chupar o dedão do pé com
o maior gosto, desbravar os espaços dentro e fora das salas, descobrir a
“cachoeira” do bebedouro e do lavatório do banheiro, ficar de pé e empurrar as
cadeiras pelo pátio, subir e descer das cadeiras e mesas, fazer um barulhão com
sua voz e depois ficar observando as reações produzidas, espetar pela primeira
vez os alimentos com o garfo e gargalhar, andar e ver o mundo numa nova perspectiva
se-movimentando pelas próprias pernas, gracejar sem fim na frente do espelho e
dar um delicioso beijo na própria imagem... É sem fim... Isso porque o fluxo do
pensamento levou-me aos bebês e quantos outros “sem fim” nas outras idades da
Educação Infantil. Pareço ouvir o burburinho, as entradas constantes em minha
sala com a pergunta “o que é isso?” para todos os objetos sobre a mesa, para os
quadros, para qualquer novidade que se apresente, com as histórias contadas,
com as outras perguntas feitas, com a associação dos símbolos que vêem em
alguns papéis e a instituição em que estamos.
Tenho
a oportunidade de, no grupo de trabalho a que pertenço, presenciar muitas
experiências vívidas com as crianças num processo em que os profissionais estão
em processo de significação e fundamentação constante. No entanto, ainda nos
deparamos com expectativas da sociedade na figura de famílias que levam essas
crianças, às vezes, antes dos cinco anos, para instituições que oferecem o
esperado trabalho de preparação para o Ensino Fundamental centrado em objetivos
diferentes. Trata-se de um problema que merece uma abordagem ampla que não cabe
nas intenções desta postagem.
Compreendo
que o modo de lidar com as experiências na prática pedagógica da Educação
Infantil, a partir da perspectiva trazida por Gomes-da-Silva, ganha grande
contribuição e provoca os professores
a compreender a necessidade de provocar
“as possibilidades expressivas das crianças .... mediante recursos
multisensoriais (sonoros, imagéticos, táteis, verbais).
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