Por Claudinei Chelles
Nesse capítulo o autor
demonstra sua preocupação com o sentido do movimento para o sujeito individual/cultural
que o realizou e o significado de investigar sobre o estilo motor daquele que
se movimenta. O que interessa é o movimento ou tendência geral dos gestos
realizada no espaço-tempo existencial. Assim, a questão problema consiste em
investigar “quais as configurações da corporeidade no mundo vivido”.
Sob essa perspectiva
Gomes-da-Silva trata a corporeidade e o mundo vivido como aspectos muito importantes.
A partir daí, ele transforma a questão-problema em questão de pesquisa para
nortear a investigação. Então, “quais as
configurações da corporeidade...”, se refere à figura que é formada pela
sucessão de gestos. Observa-se que a corporeidade corresponde à forma como o
corpo opera comunicação no mundo e com o mundo. Isso se constitui numa zona de
comunicação criada pela condição de existência do homem, que se torna visível
na realização dos gestos. O gesto é o objeto de investigação e a corporeidade é
o que se busca descobrir.
A segunda parte da
questão, “... no mundo vivido”, se
refere ao lugar que as configurações se realizam. O mundo vivido constitui-se
nas ações sociais realizadas nas interações dos sujeitos. Essas ações são
cinéticas (movimento) ou posturais (variação da tensão muscular). Ou seja, são
ações que produzem objetos de uso (vestuário, casa, por exemplo) e objetos
culturais (moda, arquitetura,...), simultaneamente. Assim, para o autor os
gestos humanos são criadores e criações de cultura. Pois a cultura não é o
conjunto de objetos criados, mas uma ordem humana, uma construção provida de
sentido e de significação, que orienta as ações dos indivíduos em sua vida
social. A cultura é uma estrutura simbólica que organiza os valores e as
significações.
O jogo como modalidade
de ação social é escolhido para ser analisado por ele para identificar a
configuração da corporeidade na cultura em que vivemos. É pelo jogo (lúdico)
que a civilização surge e se desenvolve. “A cultura é um jogo”.
A questão-problema, a
partir de agora se operacionaliza em duas questões de pesquisa referentes à
qual a tendência dos gestos no jogo da cultura e qual a tendência dos gestos da
cultura do corpo. O objetivo da investigação foi determinado pelo autor em como
descobrir as configurações da corporeidade no jogo por meio da análise
semiótica dos gestos. Ao afirmar que o mundo cultural é constituído pela
proliferação de gestos que adquiriram novos significados, Gomes-da-Silva
salienta que pelos gestos descobre-se a cultura e que o sentido do movimento
não é apenas para o indivíduo que o realizou, mas para a cultura a que pertence.
O autor, ainda cita
Merleau-Ponty (1994): “Não basta que dois
sujeitos conscientes tenham os mesmos órgãos e mesmo sistema nervoso para que
em ambos as mesmas emoções se representem pelos mesmos signos. O que importa é
a maneira pela qual eles fazem uso do seu corpo, é a informação simultânea de
seu corpo e de seu mundo na emoção”.
Sobre a cultura do jogo
e a semiótica peirceana para o autor há pelo menos duas configurações da
corporeidade em nossa cultura: “atiramento” e “poetante”. O poetante é a
conduta motora. A questão de pesquisa nesse momento é: “Qual a tendência dos gestos na cultura do jogo?” Assim, o autor
analisa os movimentos para descobrir-se o jogo. Há um lugar e um tempo
específicos criados no ato de brincar, que não está separado do mundo. Então,
surge a hipótese de que tal como na
configuração poetante em que o eu lírico cria a beleza do poema, assim também
os jogadores criam a beleza do jogo.
Nessa hipótese
relaciona-se poesia e jogo como pertencentes ao acontecimento da corporeidade
poetante. Além disso, em relação ao jogo, Gomes-da-Silva cita Freud (1908)
mencionando que “ao brincar a criança se
comporta como um poeta”. Ou seja, a ocupação favorita e mais intensa da
criança é o brinquedo ou os jogos. Poderíamos dizer que ao brincar toda criança
se comporta como um poeta, pois cria um mundo próprio, ou melhor, reajusta os
elementos de seu mundo de uma nova forma que lhe agrade. A antítese de brincar
não é o que é sério, mas o que é real. Apesar de toda a emoção com que a
criança catexiza seu mundo de brinquedo, ela o distingue perfeitamente da
realidade. O poeta faz o mesmo que a criança que brinca. Cria um mundo de
fantasia que ele leva muito a sério, isto é, no qual investe uma grande
quantidade de emoção, enquanto mantém uma separação nítida entre o mesmo e a
realidade. A irrealidade do mundo imaginativo do escritor tem, porém, consequências
importantes para a técnica de sua arte, pois muita coisa que, se fosse real, não
causaria prazer, e muitas excitações que em si são realmente penosas, podem
tornar-se uma fonte de prazer para os ouvintes.
Gomes-da-Silva ainda distingue os seguintes aspectos
como relevantes para sua investigação:
Olhar do estudo: a cultura do jogo
A atenção para o jogo
nesse momento não é psicológica, político-ideológico, histórico-sociológico,
nem pedagógico. Apesar de serem dignas e necessárias.
Cultura peculiar do
jogo – estrutura que ordena a ação com significado.
É necessário estudar a
cultura do jogo, sua dinâmica peculiar, os vínculos emocionais criados pelos
jogadores e investigar seus mistérios. Por isso, estudá-lo (o jogo) buscando
interpretá-lo e compreendendo o contexto que ele ocorre, o espaço afetivo de seus
gestos e a cultura que ele cria. É no jogo que a civilização surge e se
reproduz.
Jogo como elemento de
modelagem coletiva.
O jogo é um dos
elementos agenciadores de modelagem do indivíduo e da coletividade, de acordo
com o modo específico de organização da economia, sociedade e da cultura. O
jogo modelo os sujeitos sociais tanto na estrutura do comportamento, quanto na
sua subjetividade. Por ex: o controle de brinquedo pelos industriários tem a
ver com o seu interesse de classe em fabricar não apenas brinquedos, mas
comportamentos socialmente aceitáveis.
Jogo infantil: não é
reprodução do mundo adulto.
Porém, o jogo infantil
não é uma reprodução do mundo do adulto. Já que a criança, pelo seu brinquedo
interage com o mundo. Brincando ela constrói simbolicamente sua realidade.
Portanto, no jogo dois mundos complementam-se e confrontam-se ao mesmo tempo. Ao
brincar a criança está situada socialmente e defronta-se com os vestígios da
geração mais velha.
Jogo motor como
estrutura sígnica.
A partir daqui, o autor
pretende analisar a atividade motora, delineando essa forma de cultura em
imagens com tons e perfumes. Essa análise não é só filosófica, histórica o
psicológica, mas lúdica. Estudar a cultura do jogo é investigar a força do
brincar que resiste à imposição do sistema social. Pesquisar esse espaço-tempo
próprio significa conceber a estrutura do jogo como uma trama sígnica, que
transcende as necessidades imediatas do cotidiano e confere um sentido de ação:
“todo jogo significa alguma coisa”. Ao pressupor o jogo nesses termos a opção
metodológica para ler essa cultura se dá através da semiótica.
Para analisar a
tendência dos gestos na cultura do jogo, utiliza-se da abordagem semiótica que
abrangesse o jogo motor como estrutura sígnica. Essa abordagem semiótica possibilita discutir qualquer signo, de
qualquer espécie, decantando suas significações reais ou imaginárias. Assim, a
análise ocorre através das categorias tricotômicas dos signos, possibilitando
analisar o jogo mais minuciosamente, além de interpretá-lo em si mesmo.
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