Azanha (1992) traz uma discussão que
considero bastante pertinente para refletirmos sobre os saberes científicos,
que acabam por ser aqueles mais valorizados socialmente e propagados pela
escola.
Este autor, fazendo uma análise histórica da
relação entre descobertas científicas e a atuação da comunidade científica,
aponta alguns fatores que interferem no processo de aceitação e incorporação de
inovações como saberes reconhecidamente científicos.
Buscando refletir sobre a pesquisa
educacional, Azanha (1992) retoma uma tendência crítica da ciência, chamada de
“Weltanscheungen Analysis” que
corresponde a “contestação de uma imagem da ciência como um empreendimento
estritamente racional e, por isso mesmo, não contaminado por valores
extracientíficos e a salvo de paixões, sectarismos, dogmatismos ou preconceitos
de qualquer ordem” (AZANHA, 1992, p. 144)
A busca daqueles que se julgam cientistas por
uma ciência que atendesse a essas características é evidente, por exemplo, na
resistência em considerar as ciências humanas como ciência. O fato de as
investigações na área de humanas, serem reconhecidamente afetadas por fatores
como condições sócio-culturais, torna-a, ainda hoje, alvo de críticas das
comunidades científicas e a faz ser considerada, muitas vezes, como não
ciência, ou como uma ciência menor.
O que Azanha (1992) nos coloca é que, mesmo
as ciências naturais sendo aparentemente racionais e não contaminadas por
elementos humanos como julgamentos pessoais e crenças, estas também são influenciadas por elementos
históricos e sociais.
O papel da escola como difusora do
conhecimento acumulado ao longo da história, durante muito tempo serviu como
reprodutor de uma história das ciências que a apresentava como um processo
linear como agregação de novos saberes que se somavam aos já existentes,
complementando-os ou apresentando novas verdades. O que muitas vezes não se
considera, entre outros aspectos, é o fator humano e a aceitação ou não das
descobertas pela comunidade científica e que, em muitos casos, inclusive, serviu
como entrave para o progresso da ciência e mesmo para o bem estar da
humanidade.
Azanha aponta que os estudos da corrente Weltanscheungen Analysis, trouxeram
novas contribuições ao trazer um ponto de vista histórico renovado. Assim,
mesmo referindo-se mais às ciências naturais, trazem contribuições também para
as ciências humanas, “ao mostrar que não apenas para estas, mas também para
aquelas, é utópica a esperança de constituição de um conhecimento totalmente
objetivo a salvo de vieses por força de condições, interesses ou valores
extracientíficos” (AZANHA, 1992, p. 145).
Podemos considerar que Stenhouse (1993),
corrobora esta idéia ao afirmar que a dedicação dos pesquisadores, a suas
teorias, já se constitui grave fonte de parcialidade.
Azanha acrescenta um aspecto desconsiderado
pela Weltanscheungen Analysis, que
diz respeito à desejabilidade e aceitação das inovações pelas comunidades
científicas. O estudo histórico da evolução da ciência demonstra que a maneira
como essas comunidades analisam as inovações e as incorporam ou não, não é tão
racional como se esperaria de um grupo que coloca a razão em primeiro lugar. O
autor retoma a questão de que, em se tratando de ciência, há novidades
esperadas e inesperadas. As esperadas são facilmente aceitas e assimiladas. As
inesperadas são, muitas vezes, rejeitadas, e por motivos, muitas vezes, nada racionais.
Assim, percebemos que, historicamente, as ciências naturais se comportam
justamente por meios que criticam nas ciências humanas, por exemplo que recebem
diversas influências do meio, do olhar do pesquisador, entre outros.
Assim, vemos inúmeros casos de descobertas
científicas importantes que poderiam ter trazido grandes contribuições e que
foram rejeitadas de imediato, vindo a ser confirmadas futuramente por outros
estudos. Neste sentido, chamou minha atenção o exemplo de Smmelweis, o qual
descobriu que a origem da febre puerperal era a falta de assepsia das mãos dos
jovens estudantes de medicina. Contudo, o conhecimento que se tinha na época e
o fato de um famoso patologista ter criticado fortemente tal descoberta, fez
com que, em vez da descoberta auxiliar a salvar vidas, levasse o “descobridor”
a perder seus cargos.
Olhando para a história nos chocamos ao ver
casos como esse, que não são poucos. Porém, se pensarmos na ciência hoje, seja
em qualquer área, será que casos como estes não continuam ocorrendo? Se
pensarmos nas pesquisas na área de educação, por exemplo, qual é a chance de
ser aceito um estudo de alfabetização que contrarie as concepções de teóricos
de renome e veiculadas pelos governos estaduais e federais? Qual é o limite do
nosso conhecimento, que talvez nos impeça de considerar como relevante algo que
parecerá tão claro no futuro?
Por outro lado, se pensarmos em conhecimento
científico e as contribuições deste para a pesquisa educacional e para a
educação oferecida nas escolas, erros cometidos, pode não matar seres humanos,
mas com certeza também pode destruir vidas e impedir que sujeitos progridam e
aperfeiçoem sua formação humana e isso, em grande escala, atingindo um número
incontável de sujeitos.
Elementos como os que Azanha traz em seu
livro, suscitam a reflexão e a busca não apenas por respostas, mas também por
uma ciência que, talvez, quanto mais desprovida de altivez e menos fechada em
sujeitos que tenham o poder de decidir sobre o que será ou não aceito, maiores
avanços possa proporcionar.
REFERÊNCIAS
AZANHA,
J. M. P. Uma idéia de pesquisa
educacional. Edusp: São Paulo, 1992.
STENHOUSE,
L. La
investigación como base de la enseñanza. 2 ed. Madrid: Morata, 1993.
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