Durante
o semestre letivo houve, de minha parte, maior mobilização para a leitura mais
ávida de alguns autores, uma vez que suas temáticas transitavam mais proximamente
ao foco de minha pesquisa de Doutorado. E isto se deu justamente em um momento
que o idioma francês passou a ocupar um espaço importante na minha vida. Como recentemente
havia ampliado minha biblioteca, graças aos livros da Luciana Venâncio, a parte
francesa do nosso acervo foi “aumentada”. Bem, encontrei a tradução francesa de
um livro de John Dewey que me atraiu bastante, e que fez pensar sobre uma
decisão que tomei há tempos, quando desisti de tentar “ganhar a vida” como
artista, ou seja, quando desisti de “viver de arte” logo na primeira
metade da década de 1990. E, ao fazer isso, repensei o lugar que ocupa
atualmente a apreciação estética em meu trabalho de docência e de pesquisa com
a Educação Física.
O livro
escolhido é L’art comme expérience (Paris,
Gallimard, 2005) e nele há alguns excertos que me fazem pensar acerca da apreciação
estética face ao pragmaticismo peirceano e ao conhecimento empírico, que, para o autor, é o
conhecimento que consiste justamente na “base” para tal apreciação. Como premissa,
portanto, poder-se-ia afirmar que não há apreciação estética sem conhecimento
empírico ou, em outros termos, não se aprecia a “arte” ou não se aprecia a
significação artística e estética de uma “obra” sem que se tenha alguma experiência
própria que sirva de base para a apreciação. E essa experiência precisa ter
alguma relação com a obra, i.e., a obra precisa “dizer alguma coisa que seja
compreensível ou sensível”.
Pois
bem, conforme a argumentação de Dewey, seria equivocado concluir que Peirce,
como fundador do pragmaticismo, considerava a dimensão estética como sem
importância, e que não contribuiu em nada para a compreensão e crítica da arte.
Ao contrário, ele possibilitou, com sua perspectiva semiótica, uma teoria de
símbolos e interpretações progressivas que têm enriquecido a estética. Isto porque
ele apreciou o papel do “jogo” no pensamento e na expressão criativa. Peirce
estava tentando “entrar no jogo” através de um conceito estranho que ele chamou
de musement (pág.12).
Peirce também fez da experiência imediatamente
sensível uma qualidade (tão importante para a estética) como consciência de primeira
classe: "primeiridade". Ele enfatizou a continuidade e a colaboração
da ética e da estética, até para "colocar a ética na dependência da
estética, e tratar o que é moralmente bom [... ] como uma espécie peculiar do
que é esteticamente bom. Desse modo, se “a ética é a ciência do método para
alcançar o controle de si mesmo", a fim de conseguir o que queremos,
cabe-nos “desejar [...] e fazer a [nossa ] vida bela e admirável”. E isto
implica que a “ciência do admirável” seja justamente a estética (pág.12).
De acordo com Dewey, ao explicar
o que é “viver uma experiência”, cabe considerar que (...) a produção de uma
obra de arte genuína provavelmente exige mais inteligência do que o pensamento
alegado que parece estar entre aqueles que se orgulham de ser
"intelectuais" (pág.97). Por “obra genuína” cabe considerar que seja
algo original, criativo, algo elaborado e significado como um tipo de “resultado
vivido”.
Em suma, a preocupação de Dewey é
com a educação do “homem comum”. E é nesse sentido que ele desenvolve uma visão
da arte em uma sociedade democrática, que nos liberaria dos mitos e de qualquer
intimidação, pois que estes são fatores que dificultam a experiência artística.
Assim, a democracia é mais central no pensamento filosófico de Dewey que no de Peirce.
Dewey estendeu as consequências dos princípios pragmáticos – e em particular a
do inquérito – à filosofia política: para ele a democracia é, portanto, livre
de qualquer subordinação filosófica ou institucional. "A democracia não é
uma forma de governo", ele gostava de repetir. Ela não é caracterizada por
uma figura histórica de poder, dotada de algum predicado especialmente
ideológico, filosófico ou institucional. Em vez disso, ela é investida com
significado normativo: existe como “padrão próprio” e define sua “própria norma”,
na medida em que ela própria define as condições de interlocução imanente à discussão
pragmática, racional e, consequentemente, ao inquérito como forma elaborada e
socializada da experiência.
Ora, cabe concluir que o inquérito é uma forma peculiar, uma técnica ou um dispositivo de sondagem com sentido pragmático (que pode sustentar os processos abdutivos), que serve como meio para se ter acesso de alguma maneira à experiência própria (introspecção sistemática, autocrítica) ou a de outrem, ou seja, o inquérito é um modo de pesquisar uma dada experiência.
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