domingo, 9 de novembro de 2014

Contribuições do pragmatismo peirciano para se pensar a formação inicial de professores
Dulcinéia Beirgio de Souza

 Muitas pesquisas  na área da educação (Pimenta, 1999; Gatti, 2010) tem ratificado a dificuldade dos cursos de formação inicial   de professores  em  proporcionar uma formação de qualidade, o que se tem constatado é que estes cursos não têm  se configurado uma variável significativa na formação  destes professores,  que   no exercício da profissão  tem se apoiado em saberes  já tradicionalmente instaurados no cotidiano das escolas, seja pela  "imitação" das práticas que lá veem ou pelas vivência enquanto aluno na sua trajetória de vida,  não rompendo ou ajustando hábitos  estáveis   na educação.
As dificuldades do curso de formação inicial em se transformar em referencial  para a prática  docente tem  fomentado   pesquisas e mais pesquisas, projetos e mais projetos (PARFOR, PIBID) na intenção de unir teoria e prática  na formação, muitas vezes pressupondo que a aquisição de conceitos por si só implica em  mudanças de conduta na ação pedagógica.
As leituras de  Peirce nas aulas da disciplina: “Saberes Entre os Saberes Docentes e Aprenderes Discentes: questões teóricas e metodológicas”, ministradas pelo professor Mauro Betti, se mostraram bastante profícuas para  repensar o modelo de formação que temos.  As concepções de experiência  e aprendizagem  cunhadas pela semiótica  perciana nos dá subsídios para conceber uma   nova experiência de formação de professores. Com este teórico, aprendemos que é preciso mudar nosso olhar, nossa postura analítica,  para compreender  a lógica dos fenômenos em educação.
Para Peirce somos  do mundo e com ele estabelecemos  continuamente  uma relação interpretante,   capaz de produzir pensamento,  conhecimento. No entanto, para produzirmos experiência que culminam em aprendizagens  temos que passar por um processo por ele definido em três momentos interpretativos:
A primeira e principal é a qualidade rara de ver o que está diante dos olhos, como se presenta, não substituído por alguma  interpretação (...). É esta a faculdade do artista que vê as cores aparentes da natureza como elas realmente são.
 A segunda faculdade com que devemos armar-nos é uma discriminação resoluta que se pendura como um bulldog naquela característica que estamos estudando.
A terceira faculdade de que necessitamos é o poder generalizador do matemático, que gera a fórmula abstrata que compreende a verdadeira essência da característica em estudo, purificada de toda mistura adventícia “ (PEIRCE, 1974, p.23, apud BETTI).
Segundo Silva (2008), todo conhecimento  fundamenta-se  nesses três momentos da experiência. Assim, a aprendizagem  significativa para Peirce se constitui no processo de  aquisição de conceitos e  implica  modificação de condutas. Nesta perspectiva, a experiência é um processo  da relação do indivíduo com o mundo e   a experiência perceptiva  é um instrumento importante na produção de  conhecimento. “ A experiência perceptiva se caracteriza pela interdependência entre sujeito/espécie e meio ambiente, de acordo com uma co-evolução, que demonstra tanto as propriedades da pessoa, como do mundo num processo de ajuste e reajustes.”(RODRIGUES, 2010,p.163)
Se temos como objetivo fazer um curso capaz de  mudar a cultura da prática educativa, devemos   pensar o curso como  uma  nova forma  de se relacionar com os fenômenos pedagógicos,   para isso é preciso  fazer dele uma  prática  capaz de afetar-nos e afetar  o outro, no caso o aluno, de modo a provocá-lo a mudar de hábito, questionar crenças arraigadas no modos de saber, ser e sentir  a educação. Isto exige uma conduta diferente dos formadores que devem viver cada momento do curso  como  espaço de conhecimento com inúmeras possibilidades  interpretativas, dadas as múltiplas interpretações dos signos que compõe o universo educacional. É preciso olharmos os fenômenos da educação com estranheza, “...reconhecer que ainda não temos  conhecimento satisfatório”(Peirce,1972, p.46), isto é, perquirir. O que implica abandonar vaidades e certezas,  mudar de posição a todo momento na relação pedagógica. Considerar cada aula, cada turma, cada aluno como uma nova experiência a se viver  mediada pelos conteúdos que devem ser experenciados, serem analisados  com dúvida, perquirição, em busca de novas relações interpretantes .
O desafio  posto para os cursos de formação docente é, parafraseando Silva (2008), participar  das formulações sígnicas do aluno, entendendo que este está em semiose constantemente, ou seja produzindo sentidos e significações sobre  ser professor e escola.
Se não “...abrir os olhos do espírito e olhar bem os fenômenos e  dizer quais suas características, quer o fenômeno seja  externo, quer pertença a um sonho, ou uma idéia  geral e  abstrata da ciência” (PEIRCE, 1974, p. 23, apud Betti,)ficaremos  batendo a cabeça e produzindo  pesquisas retóricas, que só repetem o que já foi constatado e  não produzem mudanças  que estamos necessitando em educação.



REFERÊNCIAS

GATTI, B. Educação, escola e formação de professores: políticas e impasses.  Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 50, p. 51-67, out./dez. 2013. Editora UFPR.

RODRIGUES, L.  O problema da identidade pessoal no âmbito do pragmatismo. Cognitio-Estudos: Revista eletrônica de filosofia, São Paulo. Vol. 7, nº2, jul-dez, 2010, pp.160-165


SILVA, A. C. T da. A Perspectiva semiótica da educação. Revista Teoria e Prática da Educação, Maringá, vol. 11, nº3, p.259-267, set./dez. 2008.

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