Encontro com o
Professor Bernard Charlot
Vera Luísa de
Sousa
No último dia 03 de outubro tivemos o
prazer de ouvir o Professor Bernard Charlot por cerca de duas horas. Era o fim
da tarde de uma sexta-feira e o Professor, apesar da voz cansada após intensa
agenda, gentilmente atendeu ao pedido do Professor Mauro Betti para falar sobre
sua trajetória na elaboração “d’A Mistificação Pedagógica”. Ficamos sabendo que
o filósofo, de formação, escolheu trabalhar formando professores porque se
incomodou, em sua primeira experiência profissional, com a distância entre a
realidade da formação e a realidade da vida. Segundo o Professor Charlot, a
formação expressa ideias e esconde a realidade ao se calar sobre as
desigualdades sociais.
Em suas pesquisas o Professor percebeu
que a mistificação do discurso pedagógico, sobretudo no que diz respeito à
existência de uma suposta Natureza humana a ser ora lapidada, ora protegida
serviu de sustentação tanto para a Pedagogia Tradicional, quanto para aquela
que pretendeu substituí-la, a Pedagogia Nova. Não há dúvida de que esta última
operou importante “ruptura cultural” em relação à primeira, contudo não
conseguiu realizar a “ruptura social” necessária para se entender que o sentido
da Pedagogia reside na sua correspondência com a realidade vivida pelos
sujeitos, realidade onde grassam desigualdades sociais, preconceitos, corrupção
política e outras facetas do que se pode denominar “mal”. Esta guinada da
perspectiva ontológica para a ideia do sentido da Pedagogia é uma importante
chave, que o Professor Charlot nos oferece, para a abertura de outras
possibilidades e percepções no campo da Educação. Afinal, como diz o Professor,
ainda que o ser humano possua um equipamento genético sua construção se dá na
interação entre três tempos: o tempo longo da história da humanidade, o tempo
médio da cultura e o tempo curto da história de vida de cada um. E nessas
interações diferenças e desigualdades também vão sendo erigidas, por esta razão
trazê-las para o debate é imprescindível para o processo de escolarização e de formação.
Charlot reafirmou o que havia dito no prefácio
à nova edição brasileira de “A mistificação pedagógica: realidades sociais e
processos ideológicos na teoria da educação”: a polarização entre Pedagogia
Tradicional e Pedagogia Nova ainda se fazem presentes no discurso pedagógico atual.
Por um lado, temos uma prática ainda hoje muito marcada pelos preceitos da Pedagogia
Tradicional e, por outro lado, o discurso está construído sobre bases
construtivistas mais aceitáveis pelo debate pedagógico.
O Professor também chama a atenção para
a outra mistificação: a de que a informática e os estudos neurológicos são as
respostas para os problemas educacionais. Ele não ignora os benefícios de uma e
outro, especialmente no desenvolvimento de atividades mais técnicas, porém reafirma
que sem a superação das mistificações relativas à prática e ao discurso
pedagógico e a adoção de uma posição que considere as desigualdades sociais
como fulcrais ao processo educativo provavelmente ficaremos patinando sobre
velhas práticas maquiadas por “novos” discursos. Assim, tarefas essenciais da
escola e do professor como despertar a curiosidade, apontar as contradições e fazer
brotar questões, acabam sugadas pela ultrapassada prática de dar respostas.
Encerro com o desafio que nos foi lançado
pelo Professor naquela tarde quente de sexta-feira: “Como transformar o
significado em sentido?”. Afinal, me parece que é exatamente disto que se trata
sua proposta: uma abertura para os caminhos do sentido, sem falseamentos e mistificações.
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