Análise
do texto de Bernard Charlot, a partir das noções de “crença” e “dúvida” e do
“método científico (abdutivo-indutivo)” de Charles S. Peirce.
Sidnei de
Oliveira Sousa
No prefácio da edição brasileira de “A
Mistificação pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na teoria
da educação” publicada em 2013, Bernard Charlot chama a atenção para o fato de
que, após 38 anos da publicação de sua obra, o mundo mudou e que ele mesmo
também. Todavia, as duas teses fundamentais que sustentam o livro continuam
bastante atuais. A primeira tese diz
respeito ao abismo existente entre o discurso pedagógico e a realidade social,
nesse sentido, o discurso pedagógico postula que a escola deve fazer com que a
criança se torne um ser humano plenamente realizado, mas desconsidera nesse
processo o contexto social a que esse indivíduo pertence. A segunda
tese se relaciona com a primeira e diz que embora atualmente o discurso
pedagógico venha impregnado de termos como pedagogia “nova”, “ativa”,
“construtivista” não difere muito da pedagogia convencional no tocante à
importância conferida à realidade social das crianças. Dessa maneira, a
pedagogia “nova” ou “progressista” pouco contribui para a emancipação social
dos indivíduos e, consequentemente, para a diminuição das desigualdades
sociais. Nesse sentido, Charlot acredita que uma mudança social necessita de
uma pedagogia social que ainda não
foi inventada. Para Charlot essa pedagogia social não se restringe à um
movimento de estudiosos por uma educação social, mas deve abarcar, sobretudo,
um movimento social ou popular sobre a Educação, sem o apoio do povo, o
movimento de estudiosos, embora bem intencionado, esbarra na realidade da
educação, sem transformá-la.
Para Charlot há uma crença nos discursos pedagógicos, sejam eles de natureza “tradicional”
ou “construtivista”, de que o papel da educação se resume à evolução
intelectual do indivíduo, fazendo referência à sua natureza humana e aos seus
desdobramentos, essa crença está tão solidificada que não há espaço para o estado
de dúvida. A crença, nesse caso,
traz um estado de tranqüilidade e satisfação, há um apego à crença e a crer no
que cremos (PEIRCE, 1975). Logo o estado de dúvida não é legitimado, não se faz
a pergunta: A despeito das práticas
pedagógicas, a escola com suas práticas está perpetuando desigualdades sociais?.
A dúvida, para Peirce (1975), é um estado desagradável e incômodo, lutamos para
nos libertar da dúvida e passar a um estado de crença mais confortável. Como o
estado de crença já está instituído parece haver pouca disposição em se abrir
para um estado de dúvida. A crença leva o homem a se comportar de determinada
maneira em determinada ocasião, já a dúvida conduz a um esforço para atingir um
estado de crença ou de nova crença sobre algo. Peirce (1975) chama esse esforço
de investigação
ou inquirição.
Dessa maneira, quando nos dispomos a inquirir
sobre algo, fazemos isso em razão de um estado de dúvida e não de crença. A
crença em uma pedagogia que seja também social vem da inquirição, da
necessidade em investigar as razões do porque saem da escola jovens que se
sentem superiores por natureza e outros que se consideram pouco privilegiados
intelectualmente.
O caminho da dúvida à formação de uma
nova crença é a inquirição. Para tanto, o método científico (abdutivo-dedutivo) “pavimenta” esse
caminho de investigação. Charlot, lembrando de sua trajetória como pesquisador,
fala do insight que teve em 1975: a de que a lógica neoliberal impõe a
divisão social como referencia básica no discurso sobre educação. Esse processo
de abdução permitiu a Charlot
relacionar elementos que antes não havia sido relacionados, ou seja, permitiu a
ele se aprofundar no vínculo entre educação e desigualdades sociais a partir de
uma perspectiva sociológica e histórica. Nesse período, Charlot buscava dar
sentido ao que, para ele, era contraditório à teoria vigente, assim, pela dedução, Charlot situou sua
problemática em uma esfera mais ampla de conhecimentos. Dessa forma, a partir
de seu insight, Charlot, por ter uma
postura de “observador teoricamente sensibilizado” termo proposto por Azanha
(1992), mediante a indução, escreveu
uma obra que além de analisar ou revelar o que os discursos pedagógicos falam
ou calam, também denuncia e lança um olhar de indignação ao discurso pedagógico
fatalista que mascara a desigualdade social como conseqüência natural e
cultural.
Referências
AZANHA,
J.M.P. Uma idéia de pesquisa educacional. São Paulo: Editora da USP, 1992. Cap.
6, p. 143-163.
CHARLOT,
B. A mistificação pedagógica: as formas contemporâneas de um processo perene -
prefácio à nova edição brasileira. In: _____. A mistificação pedagógica:
realidades sociais e processos ideológicos na teoria da educação. São Paulo:
Cortez, 2013. p. 33-50.
PEIRCE.
C. S. A fixação das crenças. In:_____. Semiótica e filosofia. São Paulo:
Cultrix, Editora da USP, 1975. p. 71-92.
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