Análise do texto de Bernard Charlot “A mistificação pedagógica: as formas
contemporâneas de um processo perene - prefácio à nova edição brasileira. In:
_____. A mistificação pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na
teoria da educação”, a partir das noções de
"crença" e "dúvida" e do "método científico
(abdutivo-indutivo)" de Charles S. Peirce.
Rosilene Figueira Miranda
Esse texto foi extraído de um livro
escrito em 1975, e traduzido no Brasil em 1979. Teve uma excelente repercussão na
França, e no Brasil se tornou obrigatória sua leitura nos cursos de
licenciaturas em Pedagogia.
No Brasil, em 1979, por ser um livro
que apresentavam as ideias marxistas de forma mais aberta, a cerca de questões
importantes para a pedagogia, num período em que a ditadura militar estava
perdendo terreno, novos partidos políticos estavam sendo criados e alguns
exilados estavam retornando ao país, teve uma ampla publicidade.
O autor decide após 38 anos
republicar o livro devido ao fato, principalmente, das transformações ocorridas
a nível mundial, nas formas de militância, e pensamentos e reflexões marxistas,
que se dirigiram a outros objetos de estudos, como a questão da subjetividade.
Questão essa que Marx deixou de ter interesse.
No entanto, apesar das mudanças duas
teses amparadas no livro continuam atuais.
A primeira tese está subentendida no
subtítulo do livro Realidades sociais e
processos ideológicos na teoria da educação, visto que há uma distância
entre o discurso pedagógico e o que realmente acontece na prática pedagógica. A
teoria aponta maneiras de guiar o aluno a se tornar um ser humano plenamente
realizado, mas deixa uma lacuna no que diz respeito a ele pertencer a um meio
social. Atrelada à primeira tese, a segunda, causou um impacto nos militantes
pedagógicos, e deu margem a diversos debates. Pois
o olhar que eles tinham sobre “pedagogia nova”, baseado em diversos intelectuais
da educação, esse livro a desmistifica, ao afirmar que não há uma “pedagogia
nova”, diferente da tradicional, se não for levado em conta a realidade social da
criança.
O autor afirma que “ Uma mudança social
fundamental requer uma pedagogia social, que ainda está por ser inventada”.
Explica, ainda, que é necessário, não só uma Educação popular, mas um movimento
popular sobre a Educação. Caso contrário, a Educação popular continuaria apenas
no discurso, não haveria mudanças.
O autor se baseia em analisar a concepção
de Natureza nos discursos pedagógicos, e na sua interligação com a infância transmitida
pela pedagogia.
Para Charlot enquanto ficam
debatendo temas filosóficos-religiosos, as escolas na prática continuam socialmente
desiguais. Para ele o importante é uma pedagogia que toma para si a realidade
social integrando-as e não somente disfarçando em temas de discursos. O homem é
um ser social, e como tal, camuflar isso através de discursos não vai resolver
o problema da educação, ao contrário, corre-se o risco de legitimá-la.
Charlot faz um questionamento se
após passar 34 anos da primeira publicação no Brasil, e agora reeditada, a
argumentação abordada nele e a ideia da mistificação pedagógica ainda é válida.
Para ele, no Brasil, as palavras pedagogia “tradicional” e “nova” perderam
muito sua essência e passaram a ser mais rótulos do que conceitos analíticos.
O autor afirma a grandes
dificuldades que os professores brasileiros enfrentam, por acabarem forçados a
terem práticas tradicionais nas escolas, e ao mesmo tempo precisam se declarar “construtivistas”.
Nome novo na ideologia brasileira para a pedagogia “nova”. Alguns são incapazes
de lutar por mudanças reais e silenciam, outros se mobilizam dentro dessa
concepção “construtivista”, no entanto, dentro de um sistema tradicional. Por isso,
o autor entende que seu livro ainda é atual.
Charlot não se mostra contrário às
contribuições da neurologia e da informática no processo de aprendizagem. Apenas
teme que isso se torne outra mistificação. Principalmente no que diz respeito à
“neuroeducação”, pois, segundo ele, pretendem “dar conta da educação por
versões modernizadas da antiga ideia de natureza humana”. E sua outra
preocupação em relação á uma forma de mistificação pedagógica é em relação à
informática. Pois, há muitos que defendem a ideia de que os problemas de
aprendizagem dos alunos podem ser solucionados dando a cada aluno um computador
ou um tablete. E, nesse contexto, Charlot não nega seus valores pedagógicos em
termos de contribuição, afirmando que possibilita ao professor e alunos a parte
menos agradável do processo de aprendizagem: a transmissão-memorização.
Charlot não faz crítica a
modernidade científica e tecnológica, e sim na questão disso se tornar uma
mistificação em relação à referência a uma natureza do homem.
O autor argumenta, também, que houve
uma reprodução das desigualdades sociais de uma geração para outra, sendo que a
educação contribuiu para tal, acabaram por serem consideradas normais em todas
as classes sociais. Não houve “igualdade de oportunidades”, como pensam a
maioria, isso é uma ilusão, uma mistificação.
Charlot afirma que há uma crença nos
discursos ideológicos sobre as questões pedagógicas, e isso tem um distanciamento
nas práticas pedagógicas no país, tanto dos que na realidade seguem os discursos
“tradicionais”, tanto os que se dizem “construtivistas” (aqui sinônimo de pedagogia
“nova”).
O que vemos hoje no sistema educacional
brasileiro é que grande parte dos professores não instauram a dúvida,
simplesmente acreditam e propagam, reproduzindo a desigualdade nas escolas. E devido ao fato dessa crença estar arraigada
na maioria dos profissionais da educação, não tendem, sequer para a dúvida, não
há questionamentos em relação aos discursos pedagógicos, sejam eles de qualquer
natureza. Essa crença gera uma comodidade, que faz com que não se levantem as
dúvidas. A dúvida vai dar trabalho, vai exigir um processo de investigação, que
pode proporcionar novas crenças e novas dúvidas, o que demandaria sair da
situação cômoda em que se encontram. Teriam que começar a inquerir, usando o
método científico abdutivo-dedutivo para embasar a investigações.
Referência
CHARLOT, B. A mistificação
pedagógica: as formas contemporâneas de um processo perene - prefácio à
nova edição brasileira. In: _____. A mistificação pedagógica: realidades
sociais e processos ideológicos na teoria da educação. São Paulo: Cortez, 2013.
p. 33-50.
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