Em primeiro
lugar é preciso dizer que, particularmente, a presente disciplina muito tem me
instigado a refletir e estudar e isso ocorre em função de duas razões que se
ligam e se relacionam diretamente. A primeira razão tem haver com o fato da
bibliografia e os autores tratados serem novos em minha formação e exigem uma
aproximação que se baseia no estudo, debate e reflexão. A segunda razão é a
curiosidade, para mim, de encontrar a perspectiva dialética nas dicussões e
leituras indicadas. Esse é o vínculo que tentarei esboçar neste pequeno texto
tendo por base as reflexões de Charlot e Peirce e o vídeo presente neste blog a
partir da atividade do dia 03/10/2014.
Dito isto é preciso explicitar nosso
entendimento a respeito da dialética que, para Hegel, possui na contradição seu
princípio maior e irá exprimir o movimento de existência dos seres. Já para
Engels (1974) a dialética possui base na verdade, na interpretação dos
contrários, na negação da negação e transformação da quantidade em qualidade,
assim, o todo se relaciona intrinsecamente com as partes. E, para Marx (1945),
a dialética pode ser entendida enquanto ciência das leis gerais do movimento,
englobando o pensamento humano e o mundo material, a realidade concreta. Também
vale à pena lembrar o pensamento de Guimarães Rosa que ajuda a entender o
processo dialético: “o real não está no início nem no fim, ele se mostra pra
gente é no meio da travessia”. É importante também assinalar que há uma
diferença radical entre a dialética hegeliana e a perspectiva marxiana, porém,
não sendo este o objetivo maior deste comentário, não iremos nos aprofundar
neste debate. Vale perceber a dialética enquanto movimento, apreensão das
contradições, do movimento de negação e na análise histórica.
O próprio Peirce (1877) nos aponta a
importância sobre essa consideração ao afirmar:
Poucas pessoas se dão ao
trabalho de estudar lógica, porque toda a gente se concebe a si própria como
sendo já suficientemente versado na arte de raciocinar. Mas eu constato que
essa satisfação se limita à sua própria capacidade de raciocinar, e não se estende
à dos outros homens (PEIRCE, 1877, p. 01).
Peirce
chama a atenção para a questão do método e a maneira em se examinar o
pensamento, a lógica de problematizar, intentando: “O
que se deseja, então, é um método capaz
de determinar o verdadeiro sentido de qualquer conceito, doutrina,
proposição, palavra, ou outro tipo de signo” (PEIRCE, 1983, p.6, grifo nosso).
E para que essa meta, por sua vez, seja aproximada de nossa tentativa é
imprescindível considerar o papel da dúvida. A dúvida para Peirce (1975)
implica num estado desagradável que incomoda, que faz com que nos esforcemos em
nos libertar desta situação, alcançando o estado da crença e, dessa maneira:
“Pelo contrário, apegamo-nos tenazmente não apenas a crer, mas a crer no que
cremos. (PEIRCE, 1975, p. 77). É preciso considerar a dúvida não como algo
estático, nessa compreensão, mas sim em sua dinâmica, em seu movimento...
Bertolt Brecht já dizia: “De todas as coisas seguras, a mais segura é a
dúvida”. O esforço da dúvida à crença, portanto, pode ser entendido enquanto
inquirição. Interessante notar que nesse aspecto a irritação cumpre um papel
relevante, pois:
A irritação
da dúvida causa uma luta para atingir um estado de crença. Chamarei a
esta luta inquirição, embora deva admitir-se que esta não é, às vezes, a
designação mais adequada. A irritação da dúvida é o único motivo imediato para a luta por atingir
a crença. É certamente melhor para nós que as nossas crenças sejam tais que
possam verdadeiramente guiar as nossas acções de forma a satisfazer os
nossos desejos; e esta reflexão far-nos-á rejeitar qualquer crença que não
pareça ter sido formada para assegurar este resultado. Mas só o fará criando
uma dúvida no lugar dessa crença. Logo,
com a dúvida a luta inicia, e com o cessar da dúvida termina. (PEIRCE,
1877, p. 05, grifos nossos.)
Compreendidos estes conceitos na
lógica desenvolvida e problematizada por Peirce, podemos associar e relacionar
tais discussões com o prefácio de Charlot (2013). O autor deixa claro no seu
texto o movimento da dúvida que o fez partir de uma base marxista e continuar
sua caminhada intelectual sem “ficar o resto da vida repetindo a mesma coisa”.
Entretanto o movimento que Charlot (2013) explicita em sua trajetória é, por
assim dizer, dialético, ou seja, trata-se de uma superação por incorporação. A
dúvida pode ser encontrada na questão de questionar para além da estruturação
econômica e social do trabalho na Educação, procurando estabelecer uma nova
crença que pode ser entendida como a inquirição de Charlot com relação ao
saber, para além da visão unilateral ideológica como o autor nos explica no
vídeo.
Podemos dizer que a superação do
autor é feita por incorporação, pois ele não deixa de considerar a escola
inserida numa sociedade desigual e continua ratificando a erroneidade em
considerar as desigualdades como “naturais” e o discurso ideológico da
“natureza humana”: “Toda e qualquer afirmação acerca da educação que postula
explícita ou implicitamente uma natureza da criança e, pior ainda, desigualdades
naturais entre os seres humanos, não passa de um enunciado ideológico,
inválido” (CHARLOT, 2013, p. 38). Outro ponto que explicita a superação por
incorporação em Charlot é: “O problema a ser resolvido é o de
pensar o ser humano ao mesmo tempo como membro de uma sociedade (com suas
estruturas e suas desigualdades) e como sujeito insubstituível, sem recorrer à
noção de “natureza humana”, nem ao conceito liberal de “indivíduo”, fontes de
discursos mistificadores” (CHARLOT, 2013, p. 48).
A dúvida em Peirce também instiga a
ação, a inquietude, a inquirição, como já abordamos e esta mesma perspectiva
também pode ser encontrada em Charlot quando problematiza: “A professora
brasileira vive uma situação quase esquizofrênica. Por um lado, ela tem práticas
basicamente tradicionais. Como poderiam ser outras, uma vez que a própria
escola, ao fragmentar espaço e tempo e ao focar a avaliação individual,
repetitiva e ritual dos alunos, impõe, de fato, práticas tradicionais?”
(CHARLOT, 2013, p. 39). Esta pergunta necessariamente implica num debate e numa
ação seja ela de manutenção da estruturação escolar formal atual ou não.
Enfim, o pensamento dialético é
perceptível tanto em Charlot quanto em Peirce e a dúvida encontra papel central
em seus raciocínios. Trata-se de um movimento dialético que não é hermético à
interferência dos múltiplos aspectos e processos que o constituem e tampouco
maniqueísta na questão da aparente separação entre teoria e prática. Dessa
forma, esta é uma reflexão de extrema potencialidade para o debate educacional
e ao mesmo tempo a preocupação prática com a atividade docente.
Referências
Bibliográficas:
CHARLOT, B. A
mistificação pedagógica: as formas contemporâneas de um processo perene -
prefácio à nova edição brasileira. In: _____. A mistificação pedagógica: realidades sociais e processos
ideológicos na teoria da educação. São Paulo: Cortez, 2013. p. 33-50.
ENGELS, Friedrich. Dialética da Natureza. Lisboa/Rio de
Janeiro: Presença/Martins Fontes, 1974.
MARX, Karl. O Capital - Livro 1. México: Fuentes Cultural, 1945.
PEIRCE, Charles,
S. Escritos Coligidos. Tradução de Armando Mora D’Oliveira e
Sérgio Pomeranglum. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Os Pensadores).
PEIRCE, Charles, S. Semiótica e
filosofia.
Tradução de Octanny Silveira da Mota e Leônidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix,
1975.
PEIRCE, Charles S. A fixação da crença. Popular Science
Monthly 12, pp. 1-15, 1877. Disponível em:< http://bocc.ubi.pt/pag/peirce-charles-fixacao-crenca.html>
Último acesso: out. 2014.
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