terça-feira, 10 de junho de 2014

As relações com o aprender e o saber na escola: algumas considerações.

Partindo de uma visão ampla e universal, a escola na maioria das vezes é vista, como um lugar de aprendizagem. Um ambiente que é frequentado por crianças, jovens e adultos, que buscam aprender coisas que não sabem, um espaço em que se passa do "não saber para o saber".
Entretanto, o ambiente escolar não pode ser considerado como o único local que oportuniza a esses indivíduos tal movimento, pois sabemos que existem inúmeras maneiras de se apropriar do mundo, portanto, muitos modos de aprender, assim como "muitas coisas para aprender". Aprender apresenta diversos significados. Para Charlot (2000), aprender pode ser: adquirir um saber (conteúdo intelectual), dominar um objeto ou uma atividade, entrar em formas relacionais. Nesse sentido, aprender vai além do que o saber, uma vez que existem diversas maneiras de aprender, assim como muitas coisas a serem apreendidas, sendo que o "saber como conteúdo intelectual" é apenas uma delas.Sendo assim, o indivíduo, na tentativa de se apropriar do saber, estabelece múltiplas relações de aprendizagem com o mundo, das quais a intelectual é apenas uma.
De acordo, com Charlot (2000), qualquer tentativa de definição de um puro sujeito de saber, ou seja, de um sujeito que se dedica ou tem a pretensão de dedicar-se à busca do saber, demanda que seja levado em consideração outras dimensões do sujeito, como a sua dimensão antropológica, psicológica e sociológica. Do mesmo modo que, na tentativa de definição do saber, é necessário levar consideração um sujeito que estabelece  múltiplas relações de aprendizagem com o mundo, dentre as quais está presente a relação com saber. Nessa perspectiva, a "relação com o saber" é um contorno mais específico da "relação com o aprender", isto é, a "relação com o saber"  é um tipo de relação que se estabelece com o mundo, ao lado de outros caminhos possíveis. Para Charlot:

“[...] procurar o saber é instalar-se num certo tipo de relação com o mundo; mas tem outros. Assim, a definição do homem enquanto sujeito de saber se confronta à pluralidade das relações que ele mantém com o mundo” (CHARLOT, 2000, p.60).

Para compreender o "sujeito de saber" se faz necessário "apreender sua relação com o saber", uma vez que, ao manter uma relação específica com o mundo, este indivíduo está também em movimento com outras relações, que são relações com o mundo, consigo mesmo, com os outros, com a linguagem e com o tempo (CHARLOT,2000).
Se o saber é uma forma de relação que se estabelece com o mundo, consigo mesmo, com outros sujeitos, com a linguagem (símbolos) e com o tempo, fiquei me questionando, sobre qual seria a função do processo pedagógico que ocorre na escola? Acredito que o processo pedagógico deveria dar importância pela produção das condições de possibilidade que permitiram ao sujeito o "movimentar-se" no processo de educação intelectual, que não é simplesmente a acumulação de conteúdos intelectuais, mas estabelecer de fato uma relação de saber com o mundo. Segundo Charlot (2000), isso resulta na tentativa compreender qual é o tipo de relação com o mundo e com o saber que a criança deve construir, com auxilio da escola, que leve em consideração o indivíduo na singularidade, o mundo, os outros, a linguagem, o tempo e as formas de atividades.
Todavia, esse processo, não pode se resumir apenas à dimensão cognitiva, didática ou identitária, uma vez que se contempla ambas as dimensões. Podemos dizer, que é um processo que vai muito além da aquisição de conteúdos intelectuais, ou seja, que se inscreve na relação com diferentes figuras do aprender e do saber, assim como em diferentes situações, espaços/locais, pessoas e momentos.
Nesse sentido, a relação com o saber não se restringe apenas a uma relação cognitiva, mas uma relação social e identitária, o que nos aponta uma necessidade de enfrentamento da problemática educacional levando em consideração as situações extra/intra escolares. As situações extra escolares  revelam a necessidade de reconhecer que os alunos, como sujeitos históricos e sociais, estão envolvidos em várias situações de aprendizagem, que corriqueiramente possuem uma lógica e dinâmica de leitura de mundo, muito distinta daquela da escola. Por isso, é necessário buscar estratégias provocadoras de uma relação com o saber escolar que os mobilize para a aprendizagem. Já as intraescolares permitem entender, por que a relação com o saber inclui a relação com os outros, dessa maneira, a escola não educa somente pelos conteúdos que ensina, mas também pelas práticas que promove.
Desse modo a leitura produzida a respeito da escola e da sua relação com o saber e com o aprender, procura mostrar que o grande diferencial da escola esta naquilo que ela  pode fazer pela construção do ser humano, que não se restringe apenas a educação intelectual, mas individual e social, isto é, o processo de hominização, singularização e socialização. Nesse "triplo" processo de construção humana não há espaço para a simples e limitada acumulação de conteúdos e classificação entre os que aprendem e não aprendem, entre os que alcançam o sucesso e os que sofrem o fracasso escolar, mas espaço para acreditar, com certa dose de segurança na construção de relações de saber com o mundo, consigo mesmo e com os pares. A relação de saber não é acumular, mas saber lidar significativamente e efetivamente com o conhecimento historicamente construído para compreender, refletir, escolher e agir melhor.

CHARLOT, Bernad. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000. 

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