sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

A pesquisa e a semiótica: apontamentos

Para tentar compreender os processos da ação da pesquisa sob semiótica peirceana, as interações com os textos da disciplina e outros textos que dispusessem de discussões a respeito do assunto, me fizeram dividir essa experiência de aprendizagem em duas fases: A primeira sobre a significação da semiótica de Peirce, e a segunda a visualização do que uma pesquisa sob as perspectivas peirceanas é consolidada.
De certa forma, somos condicionados a elencar uma série de conceitos para subsidiar nossas produções, para posteriormente apresentar aquilo que mais se aproxima de nossos posicionamentos epistemológicos. Diante disso, minha primeira tentativa foi alocar as concepções peirceanas, de maneira organizada e/ou até burocrática, no sentido de entender o que categorizavam uma experiência. E então tudo pareceu uma teorização distante e sem sentido.
Algumas definições acabavam por parecer obvias demais, como os conceitos de “hábito e crença”, e outros extremamente complexos como “os signos e as ações interpretantes”. Mesmo com os primeiros textos não conseguia identificar o que a semiótica de Peirce diferenciava das outras teorias tão utilizadas na educação, e nesse primeiro momento, da minha experiência, não conseguia definir o que uma pesquisa a partir da semiótica de Peirce deveria compreender.
A maior inquietação foi entender o “obvio”. O mais simples em Peirce é que o “óbvio” é uma conceituação extremamente complexa sobre experiências que normalmente não conceituamos, não aprofundamos. A partir disso pude compreender o que Santaella (1992) afirma que a semiótica em Peirce é uma perspectiva e não uma ciência aplicada, “nem como uma ciência teórica especial, ou seja, especializada", entretanto afirma ser, "uma ciência formal e abstrata, que possui um nível de generalidade ímpar" (Santaella.1992, p. 43).
Uma perspectiva com definições que nos auxiliam no campo da pesquisa com todas as suas singularidades epistemológicas, a semiótica de Peirce também se apresenta como uma teoria do significado, do significado dos conhecimentos, e do estudo de todo e qualquer tipo de representação.
Assim a compreensão do que seria uma pesquisa sob a Semiótica de Peirce tornou-se mais concreta. Uma pesquisa não traria conceitos peirceanos como apenas categoria de análise e/ou síntese teoria, mas como um aporte a toda fundamentação da pesquisa em si. Essa característica ficou mais evidente a partir da apresentação da tese de doutorado “Movimento e Educação Infantil: uma pesquisa-ação na perspectiva semiótica” de Eliane Gomes da Silva. Em sua fala os conceitos apresentados anteriormente tornaram-se conectados, e elucidaram como esta perspectiva interferirá no olhar do pesquisador e no desenvolver de toda a pesquisa e sua análise, ampliando o olhar centralizador que muitas vezes a impregnação teórica impulsionaria.
O pesquisador precisa estar aberto a representações e significações no campo e fora dele, precisa refletir com profundidade, precisa enxergar além de uma simples imagem ou fala, são estas interações amplificadas que qualificarão o trabalho. Para isso há necessidade de compreender os hábitos de pesquisa e romper com paradigmas. Peirce (1975, p. 88) define que a força do hábito fará “muitas vezes, com que o homem mantenha velhas crenças, mesmo depois de adquirir condição de perceber que elas são desprovidas de base sólida”.
A superação desse estigma acontecerá através da reflexão. Para isso Peirce (1975, p. 88) aponta que “a reflexão permitirá, entretanto, domínio sobre esses hábitos e o homem deve conceder à reflexão o seu peso total. As pessoas se recusam, por vezes, a proceder assim, tendo ideia de que as crenças constituem um todo que elas não podem imaginar que se apoie no nada”.
Assim compreendo que a ação da pesquisa sob a Semiótica de Peirce assemelha-se a definição descrita por Santaella (1992, p.179) sobre a quebra de paradigmas e mudança de hábito que “onde quer que haja tendência para aprender, processos autocorretivos, mudanças de hábitos, onde quer que haja ação guiada por um propósito, aí haverá inteligência”. Essa ruptura possibilita aprofundamento e reflexões buscando-se quebra e autocorreção das tendências e hábitos adquiridos.
Paralelamente a essa ideia, a pesquisa necessita também de um direcionamento, ou seja, um conjunto de ações que diante do objeto trarão significados. Assim vale resgatar o conceito de experiência definido por Peirce (1975) que a experiência é um fator corretivo ao pensamento e que o universo da experiência fenomênica identifica-se com a experiência cotidiana. Assim:
O curso temporal da experiência como resultado cognitivo do viver, traduz-se na aquisição de terceiridade, ou seja, de mediações cuja tessitura frente ao mundo, como vimos, se confunde com a própria concepção de ego, instância das generalizações a partir da factualidade individual da segundidade, da pluralidade experienciada que constitui o não-ego. Parece também que a experiência estrutura um vetor direcionado à terceiridade, na sua força compulsiva de fazer pensar que, expressa em representações gerais que constituem o pensamento (Ibri, 1992, p. 15).

Entendemos então a experiência, assemelhando a ação da pesquisa, como um convite irrecusável para pensar a realidade, uma possibilidade de conhecer o novo, refletir sobre o que está adquirido, modificar, expandir, elaborar novos signos para futuras experiências. A reflexão sobre a ação, promoverá as rupturas necessárias para a consolidação da experiência e da superação de conceitos. Sem a reflexão na há evolução das técnicas nem aprimoramento dos hábitos.
Esses conceitos compõem a base semiótica de Peirce(1975) e também contribuem para a compreensão da postura do individuo e do mundo perante as possibilidades de interação, aprendizagem, aprofundamento, enfim da composição das experiências. É necessário olhar para o mundo, mas para conhecê-lo é necessário também experienciá-lo.   
Assim considero que a semiótica de Peirce ultrapassa uma abordagem de substanciar teoricamente a pesquisa, qualificando o olhar do pesquisador no e sobre o mundo, auxiliando a transpor a tecnicidade da construção do conhecimento para uma percepção aprofundada da ação da pesquisa.

Marcela Corrêa Tinti
Referências
IBRI, I.A. Kósmos Noetos: a arquitetura metafísica de Charles S. Peirce. São Paulo: Perspectiva, Holon, 1992. (Coleção estudos; v. 130).
PEIRCE, C.S. Semiótica e Filosofia. São Paulo: Cultrix, 1975. 
SANTAELLA, L. A assinatura das coisas. Rio de Janeiro: Imago, 1992. 

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