quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A Semiótica de Charles S. Peirce, uma possibilidade de reflexão nas pesquisas em educação
Néryla Vayne Justino Alves

As pesquisas em ciências sociais no geral, em particular na educação, lidam com alto grau de complexidade. Algumas das razões mais comumente consideradas podem ser: o fato de o fenômeno observado estar sempre em movimento; fato de que, ao observarmos o fenômeno já alteramos o seu comportamento (principalmente o comportamento dos sujeitos envolvidos na pesquisa); lidamos com “gente” que possuem opiniões diversas; nunca existe um consenso, cada realidade é única... Enfim, por não possuirmos um paradigma bem estabelecido como as ciências naturais (ou ditas ciências duras), esses motivos produzem o preço de uma “desvalorização” da pesquisa em educação (em relação à objetividade das ciências naturais), exigindo dos pesquisadores da área um enorme rigor quanto à teoria e método escolhidos, além de um olhar extremamente sensível “as pistas quase imperceptíveis” (KUNH, 1974; MORIN, s/ano). Nesse meio, por vezes, turbulento das pesquisas em educação, a Semiótica de Charles S. Peirce pode ser uma possibilidade de olhar e compreender os fenômenos.
A Semiótica de Peirce pode ser vista, grosso modo, como uma maneira de lidar e agir com o mundo, com o seu movimento.
Segundo Costa e Silva a respeito do pragmatismo, Peirce afirma que “O que se deseja, então é um método capaz de determinar o verdadeiro sentido de qualquer conceito, doutrina, proposição” (PEIRCE, 1983, p.6, apud COSTA E SILVA, 2011, p. 20). Os autores ainda afirmam que deve ser entendido o pragmatismo peirciano como uma inquirição, e não como investigação. A diferença está na intencionalidade própria da investigação, enquanto a inquirição está baseada nos vestígios, e é uma possibilidade de análise.
Nesse sentido, podemos dizer que o pragmatismo não se trata de uma teoria[1], mas um método lógico de análises de conceitos, onde seu único objetivo é “tornar nossas idéias claras a partir daquilo que estamos em contato o tempo todo, i.é, a partir dos significados que afetam a nossa conduta” (p. 22). E tem como objeto de análise a experiência, “centra-se no fluxo cognitivo em que a experiência está desenvolvida. I.é, o que a experiência gradualmente faz é, e por uma espécie de fracionamento, precipitar e filtrar as falsas idéias, eliminado-as e deixando a verdade verter em sua corrente rigorosa” (CP, 5.50 apud COSTA E SILVA, 2011, p. 23).
O sentido do método pragmático pode ainda ser mais bem esclarecido, nas palavras de Costa e Silva, que nos diz:
“É esse o sentido mais amplo do pragmatismo, um método de análise que tem como objeto o significado dos conceitos “um método de pensamento” (PEIRCE apud IBRI, p. 102 (CP, 8.259)) que se põe entre o objeto e seu significado. [...] A análise proposta por Peirce é descrita mediante a reação crença, dúvida e hábito” (2011, p. 23).


            A Semiótica ou Pragmatismo de Peirce, portanto, nas pesquisas em educação, pode ser entendida como uma possibilidade de compreensão do objeto (de pesquisa) em seu movimento.
            Na minha pesquisa de mestrado, por exemplo, que tem como objeto de estudo o processo de formação do curso de Licenciatura em Física da UNESP/FCT, e foi proposto na tentativa de compreender como está ocorrendo esse processo de formação. Tendo a pretensão de investigar as concepções dos professores formadores em relação ao ensino, e a formação dos licenciandos, e ainda compreender as expectativas dos alunos ao iniciarem a licenciatura e as principais dificuldades encontradas nesse percurso.
            Compreender o objeto enquanto fenômeno em movimento é premissa fundamental, e ao tratar de concepções também podemos nos remeter a Peirce, tratando esse conceito no sentido de crenças. Um autor que trabalha o tema nesse sentido é Garnica (2008), ele afirma que:
“Ao homem, a dúvida é um estado de espírito natural, mas incômodo. Para Peirce (1998), em vez de querermos “saber a verdade” para ultrapassar a dúvida, bastar-nos-ia criar um estado-de-crença (ou um amalgamado de concepções, diríamos nós) que nos mantivesse afastados da dúvida. As concepções não são meras consciências momentâneas, elas são hábitos mentais que duram algum tempo (essa, portanto, a zona de estabilidade pela qual procurávamos) e são satisfatórios – como qualquer outro hábito — até que uma surpresa ocorra e comece a dissolvê-los, preparando o terreno para um outro hábito. A dúvida — ou mais propriamente a dúvida-genuína, aquela de que somos conscientes e da qual pretendemos nos afastar – não é, portanto, um hábito, é sua privação” (p. 500).

            Na perspectiva de Peirce a dúvida nos incomoda e nos traz insegurança, enquanto a crença é um estado “calmo e satisfatório”, e, portanto não desejamos trocar nossas crenças em outras coisas (GARNICA, 2008). O autor trabalha os conceitos de dúvida, crença, hábito e máxima pragmática de maneira clara e objetiva, na tentativa de promover a reflexão sobre as dificuldades que temos em modificar nossas crenças e conseqüentemente nossos hábitos. Sendo assim, poderíamos levantar a hipótese de que esse é um dos motivos que nos faz constatar (em nossas pesquisas) nos discursos o que é correto e está de acordo com as pesquisas, porém quando observamos a prática nem sempre esse discurso se concretiza? No entanto, não temos a pretensão de responder essa questão, que por sinal geraria enorme discussão.
            Compreender a Semiótica de Peirce não é tarefa fácil, a leitura de autores mais experientes sobre o tema é fundamental, e finalizando podemos ainda citar um trecho de Garnica que nos fala que:
“Os humanos vivem em um mundo de alterações e os hábitos nos quais suas “verdades” estão enraizadas, dando regras para a ação, são freqüentemente desafiados e conferidos. Tanto maior será nosso autocontrole quanto mais estáveis forem essas verdades que se mantêm como referenciais seguros. Em outras palavras: no movimento de fixação das crenças, gradualmente, nossa autocensura torna- se autocontrole. Seguindo por esse caminho, somos levados ao que se tem chamado “a máxima pragmática” (GARNICA, 2008, p. 500)

            O autor traz o conceito da máxima pragmática segundo Peirce (1998) nas palavras que a define: “Considere quais efeitos (que devem ter resultados práticos) concebemos como tendo o objeto de nossa concepção. Nossa concepção desses efeitos é o todo de nossa concepção do objeto” (PEIRCE, 1998 apud GARNICA, 2008, p. 500).
            Assim, a semiótica de Peirce é sem dúvida, uma possibilidade rica de olharmos e compreendermos o nosso objeto de pesquisa, porém esse fato não suaviza a complexidade de lidarmos com o seu método. Mas, pode nos apontar para a ideia de que fazer pesquisa nas ciências sociais com a "objetividade" das ciências naturais, muitas vezes traz os resultados esperados, mas nem sempre revela e compreende a fundo a realidade investigada.

REFERÊNCIAS:
COSTA, P. H. S. SILVA, M. F. A. O método pragmático de Charles S. Peirce. Revista Eletrônica Print by http://www.ufsj.edu.br/revistalable . Μετάνοια, São João Del- Rei/MG, n.13, 2011
GARNICA, A. V. M. Um ensaio sobre as concepções de professores de Matemática: possibilidades metodológicas e um exercício de pesquisa Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 34, n.3, p. 495-510, set./dez. 2008
KUHN, T. A função do dogma na investigação científica. In: Jorge Dias de Deus, A crítica da ciência. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974, p. 53-80.
MORIN, E. Epistemologia da complexidade. In: Dora Fried Schnitman. Novos paradigmas, cultura e subjetividade, p. 274-286 (Sem ano).


[1] O significado do dicionário online encontrado para a palavra teoria é: Conhecimento especulativo, ideal, independente das aplicações. Conjunto de regras, de leis sistematicamente organizadas, que servem de base a uma ciência e dão explicação a um grande número de fatos. Conjunto sistematizado de opiniões, de idéias sobre determinado assunto. Utopia, irrealidade. Disponível em http://www.dicio.com.br/teoria/, acessado dia 23/11/2012.

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