sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

O ESCREVER


O escrever

Roberto Cardoso de Oliveira – O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir, escrever.

            O trabalho de campo requer olhar e ouvir como atos cognitivos preliminares e depois o escrever como produto final.
            No escrever a questão do conhecimento é  mais crítica.
            Geertz trata de duas etapas da investigação empírica:
- “estando lá” (no campo): olhar e ouvir;
- “estando aqui” (instituição universitária ou de pesquisa): escrever.
O escrever “estando aqui” cumpre sua mais alta função cognitiva porque caracteriza o processo de textualização dos fenômenos sócio-culturais. As condições de textualização têm um papel muito importante nos processos de comunicação inter-pares e de conhecimento propriamente dito. O comunicar e o conhecer têm entre si uma relação dialética marcada pela linguagem. Cada disciplina tem seu próprio idioma por meio do qual seus adeptos pensam e comunicam-se.
A textualização da cultura é um empreendimento muito complexo. Geertz afirma que toda etnografia é tecnicamente difícil porque é um trabalho “moral, política e epistemologicamente delicado”.
Considerando que o pesquisador tem autonomia, em que isso implica na conversão dos dados observados em discurso da disciplina? É importante lembrar que a interpretação é balizada pelos conceitos básicos da disciplina. No entanto, a autonomia do pesquisador não se desvincula dos dados e a comunidade profissional tem um controle sobre eles. O sistema conceitual da área e os dados têm entre si uma relação dialética.
Ao nos aproximarmos um pouco mais do processo de textualização podemos perguntar o que ocorre com a realidade observada no campo quando a levamos para fora. Essa pergunta é constante e marca a antropologia pós-moderna. Embora tal movimento dentro da antropologia seja responsável por muitos equívocos tem o mérito de trazer o texto etnográfico como tema de reflexão sistemática e não como algo tomado tacitamente.
A questão central do texto etnográfico é a articulação que busca entre o trabalho de campo e a construção do texto. Marcus e Cushman consideram que a etnografia poderia ser definida como “a representação do trabalho de campo em textos”. Esta idéia apresenta alguns pontos críticos relacionados à complexidade de se escrever um texto controlável pelo leitor e que não seja meramente um texto literário. Os textos do diário de campo e, consequentemente, os artigos e teses acadêmicos são “versões escritas intermediárias”. A monografia, ou texto final, deve atender, esta sim, a exigências específicas.
Pode-se fazer uma distinção entre:
·         Monografias clássicas: estrutura narrativa normativa; disposição de capítulos quase canônica.
·         Monografias modernas: priorizam um tema através do qual a sociedade ou cultura é descrita, analisada e interpretada.
·         Monografias experimentais: desprezo à necessidade de controle dos dados etnográficos; intimistas.
Muitas controvérsias se apresentam a partir do terceiro tipo de textualização apresentado. O tom intimista marcado pelo uso da primeira pessoa do singular. A importância de que o autor  não se “esconda” atrás do nós, mas fuja do estilo intimista. A responsabilidade do antropólogo como autor do discurso ao mesmo tempo em que abre espaço para as vozes de todos os atores do cenário etnográfico. A contribuição das monografias experimentais ao promover a reflexão sobre o escrever como ação meta-teórica, pouco presente na área.
Um bom texto etnográfico é elaborado a partir de uma reflexão sobre suas condições de produção a partir do olhar e do ouvir sem emaranhar-se na subjetividade do autor/pesquisador. O que se apresenta e deve ser considerada é a intersubjetividade de caráter epistêmico que articula as membros da comunidade profissional no mesmo horizonte teórico.


O olhar e o ouvir constituem nossa percepção da realidade na pesquisa empírica. O escrever é parte indissociável de nosso pensamento; é simultâneo ao ato de pensar. É um equívoco dissociar o pensar do escrever.
No que se refere à antropologia, o olhar, o ouvir e o escrever estão sintonizados com o mesmo sistema de ideias e valores próprios da disciplina. Dumont trata da “ideia-valor”. Aproveitando esta contribuição podemos falar em duas ideias-valor  características do fazer do antropólogo: a observação participante e a relativização.
Relativização aqui entendida como atitude epistêmica, constituinte do conhecimento antropológico, através da qual o pesquisador consegue escapar da ameaça do etnocentrismo.
Há uma continuidade do olhar e do ouvir no escrever marcado pela atitude relativista.
Considerando a ideia-valor observação participante, o olhar e o ouvir são funções de um gênero de participação peculiar à antropologia através da qual o pesquisador interpreta a sociedade e a cultura do outro de uma perspectiva “de dentro”. Ao escrever essa vivência tem uma função estratégica e é evocada na interpretação do material etnográfico e na sua inscrição no discurso da disciplina. Os dados ganham inteligibilidade sempre que rememorados pelo autor. A é o elemento mais rico na redação de um texto; ocorre a “presentificação do passado”.


A experiência antropológica e a disciplina condicionam as possibilidades de observação e de textualização. O olhar, o ouvir e o escrever devem ser sempre tematizados, questionados como etapas da constituição do conhecimento pela pesquisa empírica. A reflexão aqui empreendida pode ser um estímulo a outras reflexões de caráter interdisciplinar.


Marisa Oliveira Vicente dos Santos
Olga  L. Anglas R. Tarumoto
Paula M. Koizumi Masuyama 

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