sábado, 12 de janeiro de 2013

“Ideais de conduta” é o título de um texto escrito por Charles Sanders Peirce (1838-1914) no ano de 1903

Texto escrito por Renato Beschizza Valentin, no Verão de 2013
 
“Ideais de conduta” é o título de um texto escrito por Charles Sanders Peirce (1838-1914) no ano de 1903 – portanto, no início da última década de vida do renomado filósofo estadunidense. Ademais, estamos diante de um manuscrito bastante curto. Ambas as características fazem do texto “Ideais de conduta” algo digno de atenção da parte dos interessados na filosofia pragmatista e nas concepções pedagógicas de Peirce, ora materializada de forma sucinta e madura. Quando um filósofo da grandeza de um Charles Pierce redige um manuscrito curto em plena maturidade intelectual, é de se esperar que o conteúdo do manuscrito tenha lá a sua importância para a compreensão do pragmatismo filosófico num momento de culminância da vida e da obra daquele que foi o herói fundador desta vertente do pensamento moderno nos Estados Unidos. Nas palavras do tradutor brasileiro, o supracitado texto peirceano consiste em “um convite ao leitor a uma visão contemporânea do ideal de amálgama entre o Belo, o Bom e o Verdadeiro” (p. 79).

Já de início, o leitor do texto supracitado se depara com alguns pontos centrais de reflexão da filosofia pragmatista: no primeiro parágrafo, Peirce discorre sobre os três estágios básicos do processo de conhecimento, todavia, sem qualquer preocupação de dar nomes a eles – tanto é que, de fato, neste texto de maturidade, o autor não os nomeia – mas, sim, com a preocupação de explica-los com o fraseado sucinto que se repete ao longo de todo o texto. A princípio, as coisas do mundo e da vida se apresentam aos seres humanos por sua qualidade estética, o que é o mesmo que dizer que, para os seres humanos, quando de seu primeiro breve contato com determinada coisa (concebida aqui a partir da acepção positivista de coisa como objeto de conhecimento), essa coisa é bela ou não, atrai ou não, gosta-se dela ou não, mas, em todo caso, ela não deixa de consistir em um objeto de conhecimento e desejo. Em um segundo momento, os seres humanos procuram ajustar suas idéias sobre essa coisa já-tomada como objeto de apreciação estética, descontentes que são com as noções mais primárias e superficiais a respeito de coisas do mundo e da vida que afetam e incomodam os seres humanos coletiva e individualmente. Em um terceiro momento, os seres humanos ponderam sobre as implicações práticas das idéias e julgamentos formulados por ele sobre as coisas que os afetam coletiva e individualmente – e aqui reponta a preocupação pierceana de conectar o processo de conhecimento com a experiência dos seres humanas, ao ponto de afirmar que o processo de conhecimento desemboca, em seu estágio avançado, na ponderação a respeito das consequências práticas e vitais daquilo que se sabe sobre determinada coisa.

No segundo parágrafo, encontra-se a reflexão de Peirce sobre o hábito gerado e modificado pela experiência humana. Ao longo da vida, os seres humanos vivenciam situações mais ou menos corriqueiras, aprendem alguma coisa com elas e, no limite, aprendem a lidar com elas e com tudo o que elas implicam. Em experiências futuras, o indivíduo agirá de acordo com a lição deixada por sua memória de experiências passadas e correlatas. A lição deixada pela memória de um indivíduo fomenta nele o hábito, concebido por Peirce como inclinação comportamental sedimentada na consciência humana, como disposição razoavelmente duradoura para agir de uma determinada maneira.

            Mais adiante, Pierce argumenta que tudo aquilo que foi sagrado e acumulado pela experiência humana pode ser modificado por experiências futuras nas quais a operacionalização do hábito redundou em resultados negativos para o sujeito e imprevistos por ele. De encontro a essa reflexão, mas de acordo com ela, estaria o pensamento marxista de Saviani, que acreditava que, numa escola verdadeiramente democrática e progressista, a socialização do patrimônio cultural acumulado pela humanidade teria que anteceder a problematização e a superação daquilo a que nos habituamos a fazer e pensar em determinadas circunstâncias e em relação a determinadas coisas.

            Ao longo de todo o manuscrito, sobressalta a crença e a mensagem de que os seres humanos possuem certo controle sobre a conduta, e de que o raciocínio é o mecanismo através do qual os seres humanos controlam, regulam, modificam, afirmam e negam cada qual seu próprio modo de agir e de pensar. Pierce insiste nesses ensinamentos de cabo a rabo desse manuscrito ao mesmo tempo maduro e breve, porque culminante. Os seres humanos podem tornar as suas vidas mais razoáveis, tanto individual quanto coletivamente, na medida em que crescem, vivem, raciocinam e aprendem da vida tudo aquilo que nela há de Belo, Bom e Verdadeiro. No auge de sua trajetória, mesmo quando a Belle Époche entrava em crise e dava lugar a um período de intensificação do ódio e da violência nas relações entre as pessoas e entre as nações do Velho Mundo, o herói fundador do pragmatismo americano ainda acreditava que as pessoas teriam condições de se livrar das taras, das inconsistências,  as iniquidades e dos preconceitos contidos em tudo o quanto foi feito, pensado e experimentado pela humanidade ao longo de sua passagem pelo mundo. E não cabe suspeita de que Peirce encarava a instituição escolar como sendo o fulcro do raciocínio livre e desenvolto de que necessitam os seres humanos para superar o passado e melhorar o presente.

 

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