sábado, 12 de janeiro de 2013

Saberes institucionalizados: provocações e devaneios


Alex Pessoa

Minha proposta, ao elaborar esse texto, é apresentar elementos que considerei mais relevantes no decorrer da disciplina. De antemão, destaco o contato mais direto com a produção teórica de Charlot, especialmente seus apontamentos no que se refere às relações com o saber. Nesse sentido, proponho uma análise, ainda que breve e carecedora de aprofundamentos filosóficos, do papel que a escola, compreendida como instituição aglutinadora de saberes historicamente produzidos pela humanidade e socialmente reconhecida como relevante (pelo menos no campo discursivo), ocupa na vida de crianças e adolescentes. O recorte que darei fundamenta-se na realidade de populações que vivenciam situações de exclusão e vulnerabilidade social. Parto, dessa maneira, do pressuposto de que o pertencimento a diferentes segmentos sociais produzem discrepâncias na maneira de compreender e de se relacionar com os saberes.
Nesse campo de debates, não tão bem explorado quanto se cogita, me parece plausível recorrer, e aqui farei de forma libertina, ao conceito de sentido e significado. Em outras palavras, considero de extrema relevância que analisemos, com base em diferentes referenciais epistêmicos, como crianças e adolescentes se relacionam com as instituições escolares e como (re)significam os conteúdos propostos. Para que não haja reducionismos ou interpretações minguadas, esse problema de estudo exige diferentes olhares. Proponho, para o momento, um enfoque para elementos de ordem subjetiva, que produzem, ou não, condições favoráveis para a valorização da escola e das práticas pedagógicas.
Libâneo, em uma de suas obras mais conhecidas, ao analisar alguns processos históricos relacionados à escola apontava que, até a década de 70, o simples fato de frequentar a escola garantiria êxito no que tange a inserção em postos de trabalho e, certamente, nos padrões prescritos socialmente como sucesso. Portanto, frequentar regularmente a escola representava a possibilidade de mobilidade social e talvez fosse a atividade mais valorizada. Com as mudanças na dinâmica social, como por exemplo, um ideal de “escola para todos”, mudanças na forma de produção, aumento do acúmulo de capital, entre tantas outras, a escola deixa de ser, por si só, asseguradora de índices satisfatórios do ponto de vista econômico. Nesse panorama, o discurso da escola como desencadeadora do sucesso e do reconhecimento social já não mais se sustenta, especialmente para aqueles que frequentam instituições inseridas em contextos de exclusão e vulnerabilidade social, onde se visualiza de forma mais efetiva a impossibilidade de ruptura de ciclos de pobreza, mesmo das pessoas que passaram por processos de escolarização formal.
Outro ponto que gostaria de chamar a atenção do leitor relaciona-se a falta de conexão dos conteúdos programáticos com a vida desses estudantes. Paulo Freire sempre fazia questão de salientar que “a educação deve ser para a vida”. Em concordância com essa afirmação, defendo que um dos maiores desafios da educação é demonstrar a importância e a aplicabilidade cotidiana dos temas desenvolvidos no ambiente escolar. Não é por acaso que estudos recentes revelam que uma das disciplinas destacadas pelos estudantes como mais importante seja a matemática. A utilização dos conteúdos dessa disciplina extrapolam meras abstrações e trazem repercussões concretas para a vida de quem aprende. Essas constatações exigem mudanças paradigmáticas na forma de ensinar, não apenas na educação básica, mas em todos os níveis de ensino.
No último ponto, desse texto e não do debate, quero abordar o tema das relações constituídas no ambiente escolar, sobretudo entre professores e alunos. As relações que emergem de posições hierárquicas seguem uma tendência a destituir o outro enquanto sujeito possuidor de direitos e saberes. O que acompanhamos é um entrelaçamento de problemáticas no campo da educação, e destaco aqui temas como políticas nacionais da educação, condições de trabalho, formação inicial e continuada, etc., que reverberam nas relações que são estabelecidas entre docentes e alunos. Os imediatismos na resolução dessas questões forjam culpados: alunos, que não querem aprender, e / ou professores que não querem / sabem ensinar. Destarte, essa dinâmica transforma professores e alunos em personagens esquizofrênicos, com dificuldades de relacionamento.
Esses três pontos, que podem ser vistos apenas como devaneios, sugerem um vasto campo teórico a ser percorrido para a compreensão da relação com o saber de estudantes de classes sociais desfavorecidas com a escola, na medida em que a instituição não produz sentidos e significados convidativos para que o aluno se relacione com o saber institucionalizado.  
A leitura de Charlot traz contribuições interessantes, embora, sob meu ponto de vista, é insuficiente para lidar com temas como diferenças culturais. Seus textos colaboram no rompimento da supervalorização da escola e na supremacia dessa instituição como detentora do conhecimento, tão presente na cultura ocidental. Seus escritos sugerem uma análise cautelosa e pormenorizada dos saberes presentes nos lugares, nos objetos e nas relações humanas. Portanto, sua obra pode auxiliar no enfrentamento dos problemas educacionais supracitados, sem, no entanto, recorrer a modelos teóricos subjetivistas e, fundamentalmente, esclarecendo que os saberes se baseiam numa relação com o mundo, extrapolando o modelo escolar vigente. 

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