quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O FAZER CIÊNCIA E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO


Azanha (1992) traz uma discussão que considero bastante pertinente para refletirmos sobre os saberes científicos, que acabam por ser aqueles mais valorizados socialmente e propagados pela escola.

Este autor, fazendo uma análise histórica da relação entre descobertas científicas e a atuação da comunidade científica, aponta alguns fatores que interferem no processo de aceitação e incorporação de inovações como saberes reconhecidamente científicos.

Buscando refletir sobre a pesquisa educacional, Azanha (1992) retoma uma tendência crítica da ciência, chamada de “Weltanscheungen Analysis” que corresponde a “contestação de uma imagem da ciência como um empreendimento estritamente racional e, por isso mesmo, não contaminado por valores extracientíficos e a salvo de paixões, sectarismos, dogmatismos ou preconceitos de qualquer ordem” (AZANHA, 1992, p. 144)

A busca daqueles que se julgam cientistas por uma ciência que atendesse a essas características é evidente, por exemplo, na resistência em considerar as ciências humanas como ciência. O fato de as investigações na área de humanas, serem reconhecidamente afetadas por fatores como condições sócio-culturais, torna-a, ainda hoje, alvo de críticas das comunidades científicas e a faz ser considerada, muitas vezes, como não ciência, ou como uma ciência menor.

O que Azanha (1992) nos coloca é que, mesmo as ciências naturais sendo aparentemente racionais e não contaminadas por elementos humanos como julgamentos pessoais e crenças,  estas também são influenciadas por elementos históricos e sociais.

O papel da escola como difusora do conhecimento acumulado ao longo da história, durante muito tempo serviu como reprodutor de uma história das ciências que a apresentava como um processo linear como agregação de novos saberes que se somavam aos já existentes, complementando-os ou apresentando novas verdades. O que muitas vezes não se considera, entre outros aspectos, é o fator humano e a aceitação ou não das descobertas pela comunidade científica e que, em muitos casos, inclusive, serviu como entrave para o progresso da ciência e mesmo para o bem estar da humanidade.

Azanha aponta que os estudos da corrente Weltanscheungen Analysis, trouxeram novas contribuições ao trazer um ponto de vista histórico renovado. Assim, mesmo referindo-se mais às ciências naturais, trazem contribuições também para as ciências humanas, “ao mostrar que não apenas para estas, mas também para aquelas, é utópica a esperança de constituição de um conhecimento totalmente objetivo a salvo de vieses por força de condições, interesses ou valores extracientíficos” (AZANHA, 1992, p. 145).

Podemos considerar que Stenhouse (1993), corrobora esta idéia ao afirmar que a dedicação dos pesquisadores, a suas teorias, já se constitui grave fonte de parcialidade.

Azanha acrescenta um aspecto desconsiderado pela Weltanscheungen Analysis, que diz respeito à desejabilidade e aceitação das inovações pelas comunidades científicas. O estudo histórico da evolução da ciência demonstra que a maneira como essas comunidades analisam as inovações e as incorporam ou não, não é tão racional como se esperaria de um grupo que coloca a razão em primeiro lugar. O autor retoma a questão de que, em se tratando de ciência, há novidades esperadas e inesperadas. As esperadas são facilmente aceitas e assimiladas. As inesperadas são, muitas vezes, rejeitadas, e por motivos, muitas vezes, nada racionais. Assim, percebemos que, historicamente, as ciências naturais se comportam justamente por meios que criticam nas ciências humanas, por exemplo que recebem diversas influências do meio, do olhar do pesquisador, entre outros.

Assim, vemos inúmeros casos de descobertas científicas importantes que poderiam ter trazido grandes contribuições e que foram rejeitadas de imediato, vindo a ser confirmadas futuramente por outros estudos. Neste sentido, chamou minha atenção o exemplo de Smmelweis, o qual descobriu que a origem da febre puerperal era a falta de assepsia das mãos dos jovens estudantes de medicina. Contudo, o conhecimento que se tinha na época e o fato de um famoso patologista ter criticado fortemente tal descoberta, fez com que, em vez da descoberta auxiliar a salvar vidas, levasse o “descobridor” a perder seus cargos.

Olhando para a história nos chocamos ao ver casos como esse, que não são poucos. Porém, se pensarmos na ciência hoje, seja em qualquer área, será que casos como estes não continuam ocorrendo? Se pensarmos nas pesquisas na área de educação, por exemplo, qual é a chance de ser aceito um estudo de alfabetização que contrarie as concepções de teóricos de renome e veiculadas pelos governos estaduais e federais? Qual é o limite do nosso conhecimento, que talvez nos impeça de considerar como relevante algo que parecerá tão claro no futuro?

Por outro lado, se pensarmos em conhecimento científico e as contribuições deste para a pesquisa educacional e para a educação oferecida nas escolas, erros cometidos, pode não matar seres humanos, mas com certeza também pode destruir vidas e impedir que sujeitos progridam e aperfeiçoem sua formação humana e isso, em grande escala, atingindo um número incontável de sujeitos.

Elementos como os que Azanha traz em seu livro, suscitam a reflexão e a busca não apenas por respostas, mas também por uma ciência que, talvez, quanto mais desprovida de altivez e menos fechada em sujeitos que tenham o poder de decidir sobre o que será ou não aceito, maiores avanços possa proporcionar.

 

REFERÊNCIAS

AZANHA, J. M. P. Uma idéia de pesquisa educacional. Edusp: São Paulo, 1992.

STENHOUSE, L.  La investigación como base de la enseñanza. 2 ed. Madrid: Morata, 1993.

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