sábado, 25 de outubro de 2014

Conversa com Bernard Charlot

No último dia 03 de outubro, o professor, pesquisador e autor Bernard Charlot, a convite do docente Mauro Betti, esteve na UNESP de Presidente Prudente. Na ocasião, brindou a todos os alunos, matriculados na disciplina da pós-graduação em Educação "Entre os saberes docentes e aprenderes discentes", com uma conversa informal e bastante significativa, a respeito da Educação Escolar. Estive presente na conversa, realizada no auditório da Faculdade de Ciências e Tecnologia, aprendi muito e refleti sobre alguns conceitos que eu tinha sobre o processo de escolarização. A seguir, registro algumas considerações e síntese sobre as falas de Charlot, a fim de compartilhar com você, leitor deste blog, um pouco da experiência construída. Espero que possa aprender um pouco também!

Um dos primeiros pontos mencionados por Charlot, quando fazia uma breve retomada autobiográfica, foi sobre sua percepção a respeito da distância enorme entre a sala de aula e os textos de pedagogia. Segundo o autor, na segunda metade do século XX, as obras destinadas aos professores (especialmente no processo de formação inicial), geralmente, não contemplavam os problemas que eles teriam de enfrentar quando assumissem a regência de uma classe ou turma.

Com base nisto, pensei que ainda existem publicações, destinadas ao trabalho na escola, que não consideram a heterogeneidade dos alunos e, sobretudo, as dificuldades de aprendizagem. Atuo como coordenadora em uma escola pública estadual na cidade de Presidente Prudente e vejo que alguns materiais destinados aos alunos preveem situações didáticas numa situação ideal, mas que, em muitos casos, não se efetivam na prática, já que parecem não fazer sentido para o aluno tampouco para o docente. Uma disciplina que é recorde de reclamação e baixo desempenho na escola é Matemática. Na versão dos alunos, não há como entender a matéria que é muito difícil. Na versão dada pelos docentes, o material oferecido pelo sistema educacional é muito fora da realidade dos estudantes, que não demonstram domínio de conhecimentos prévios essenciais ao desenvolvimento das atividades propostas. Ainda que caibam outras reflexões e pesquisas sobre esta temática, a vivência cotidiana na escola fez com que eu pensasse o quanto a fala de Charlot dialoga com minha prática educativa: onde estão os materiais e a formação continuada oferecidos pelo sistema de ensino para ajudar o professor a enfrentar e a resolver os problemas reais do cotidiano, relativos à aprendizagem do aluno?

Um segundo ponto da fala de Charlot que chamou a minha atenção se refere ao silenciamento da pedagogia quanto à desigualdade social e seus impactos na aprendizagem. Charlot destacou que são poucas as pesquisas que contrapõem a escola pública à escola particular, analisando como são e como aprendem seus alunos. Assim, do jeito como as considerações costumam ser feitas, cria-se a falsa impressão de que as escolas são iguais e que as crianças aprendem da mesma forma. Segundo o autor,  o discurso fajuto da igualdade de oportunidade, afirma que o suposto "insucesso" da criança na escola pública é derivado de sua própria "escolha", de sua "falta de vontade" de estudar, como se todas as pessoas fossem livres e capazes de ascenderem socialmente sozinhas, por seu próprio empenho. Contudo, ele enfatizou que não há como pensar em liberdade quando as pessoas não têm dinheiro, não têm emprego e, principalmente, quando não se percebem como dominadas e excluídas pela cultura dominante.

A partir destas considerações, pensei bastante sobre a escola pública da qual faço parte: até que ponto não estou ajudando a perpetuar a ideia de que o aluno pobre é o culpado pela sua não aprendizagem dos conceitos científicos valorizados pela escola? Até que ponto sou consciente da desigualdade social vivida por mim e por meus alunos e os ajudo a se perceberem como sujeitos na sociedade? Embora eu não tenha ainda as respostas, pois me encontro em processo reflexivo, já notei que preciso agir com mais intencionalidade na questão da desigualdade social, tomando consciência de mim mesma e repudiando discursos tradicionais e falso-construtivistas que responsabilizam os alunos que não se "encaixam" em modelos fixos de escola e de aprender.

O terceiro ponto que destaco na fala de Charlot é sobre o uso da tecnologia na educação. O pesquisador e educador comentou que a tecnologia não resolve tudo, mas pode ajudar o docente nas aulas, especialmente, com relação à busca de informações. Contudo, apenas ter ferramentas tecnológicas na sala de aula não assegura a aprendizagem, nem significa que o aluno desejará aprender. O que faz com que um aluno aprenda é o seu próprio desejo de saber, que pode ser "acionado" quando a escola alcança o aluno, ajudando-o a ter um objetivo na vida (um projeto de vida), associando a vida cotidiana ao que se aprende na escola, fazendo nascer questões que alimentem a curiosidade do aluno e o faça estudar para buscar as respostas. Neste contexto, usar as tecnologias apenas para reproduzir modelos tradicionais de ensino (trocar a lousa pela tela do computador, por exemplo) só prenderá a atenção dos estudantes por um curto tempo, enquanto durar a novidade de uso do computador.

Considero que, neste aspecto, a educação brasileira ainda tenha de aprender muito, porque os professores que conheço e eu não aprendemos a criar perguntas que deem sentido às buscas dos alunos, mas sim a apresentar-lhes os saberes científicos. Questiono aqui a estrutura da escola básica que organiza as aulas em disciplinas estanques, com um rol de temas, habilidades e conteúdos a desenvolver. Penso que o trabalho com projetos seja uma alternativa para as "perguntas" a serem feitas na escola, com a presença de professores organizados em áreas e na função de tutores, que ajudem os alunos na construção de seus projetos de vida e de pesquisas essenciais. Questiono também a estrutura da universidade que forma professores, porque até hoje não vi um curso de licenciatura sustentado nas perguntas que motivem a aprendizagem. Penso que esta temática deva ser mais debatida, a fim de que venham projetos e ações de transformação educacional.

Gislene Aparecida da Silva Barbosa







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