domingo, 19 de outubro de 2014

Método, Educação e Dialética – Comentário/Atividade

Em primeiro lugar é preciso dizer que, particularmente, a presente disciplina muito tem me instigado a refletir e estudar e isso ocorre em função de duas razões que se ligam e se relacionam diretamente. A primeira razão tem haver com o fato da bibliografia e os autores tratados serem novos em minha formação e exigem uma aproximação que se baseia no estudo, debate e reflexão. A segunda razão é a curiosidade, para mim, de encontrar a perspectiva dialética nas dicussões e leituras indicadas. Esse é o vínculo que tentarei esboçar neste pequeno texto tendo por base as reflexões de Charlot e Peirce e o vídeo presente neste blog a partir da atividade do dia 03/10/2014.
            Dito isto é preciso explicitar nosso entendimento a respeito da dialética que, para Hegel, possui na contradição seu princípio maior e irá exprimir o movimento de existência dos seres. Já para Engels (1974) a dialética possui base na verdade, na interpretação dos contrários, na negação da negação e transformação da quantidade em qualidade, assim, o todo se relaciona intrinsecamente com as partes. E, para Marx (1945), a dialética pode ser entendida enquanto ciência das leis gerais do movimento, englobando o pensamento humano e o mundo material, a realidade concreta. Também vale à pena lembrar o pensamento de Guimarães Rosa que ajuda a entender o processo dialético: “o real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia”. É importante também assinalar que há uma diferença radical entre a dialética hegeliana e a perspectiva marxiana, porém, não sendo este o objetivo maior deste comentário, não iremos nos aprofundar neste debate. Vale perceber a dialética enquanto movimento, apreensão das contradições, do movimento de negação e na análise histórica.
            O próprio Peirce (1877) nos aponta a importância sobre essa consideração ao afirmar:
Poucas pessoas se dão ao trabalho de estudar lógica, porque toda a gente se concebe a si própria como sendo já suficientemente versado na arte de raciocinar. Mas eu constato que essa satisfação se limita à sua própria capacidade de raciocinar, e não se estende à dos outros homens (PEIRCE, 1877, p. 01).

Peirce chama a atenção para a questão do método e a maneira em se examinar o pensamento, a lógica de problematizar, intentando: “O que se deseja, então, é um método capaz de determinar o verdadeiro sentido de qualquer conceito, doutrina, proposição, palavra, ou outro tipo de signo” (PEIRCE, 1983, p.6, grifo nosso). E para que essa meta, por sua vez, seja aproximada de nossa tentativa é imprescindível considerar o papel da dúvida. A dúvida para Peirce (1975) implica num estado desagradável que incomoda, que faz com que nos esforcemos em nos libertar desta situação, alcançando o estado da crença e, dessa maneira: “Pelo contrário, apegamo-nos tenazmente não apenas a crer, mas a crer no que cremos. (PEIRCE, 1975, p. 77). É preciso considerar a dúvida não como algo estático, nessa compreensão, mas sim em sua dinâmica, em seu movimento... Bertolt Brecht já dizia: “De todas as coisas seguras, a mais segura é a dúvida”. O esforço da dúvida à crença, portanto, pode ser entendido enquanto inquirição. Interessante notar que nesse aspecto a irritação cumpre um papel relevante, pois:
A irritação da dúvida causa uma luta para atingir um estado de crença. Chamarei a esta luta inquirição, embora deva admitir-se que esta não é, às vezes, a designação mais adequada. A irritação da dúvida é o único motivo imediato para a luta por atingir a crença. É certamente melhor para nós que as nossas crenças sejam tais que possam verdadeiramente guiar as nossas acções de forma a  satisfazer os nossos desejos; e esta reflexão far-nos-á rejeitar qualquer crença que não pareça ter sido formada para assegurar este resultado. Mas só o fará criando uma dúvida no lugar dessa crença. Logo, com a dúvida a luta inicia, e com o cessar da dúvida termina. (PEIRCE, 1877, p. 05, grifos nossos.)
            Compreendidos estes conceitos na lógica desenvolvida e problematizada por Peirce, podemos associar e relacionar tais discussões com o prefácio de Charlot (2013). O autor deixa claro no seu texto o movimento da dúvida que o fez partir de uma base marxista e continuar sua caminhada intelectual sem “ficar o resto da vida repetindo a mesma coisa”. Entretanto o movimento que Charlot (2013) explicita em sua trajetória é, por assim dizer, dialético, ou seja, trata-se de uma superação por incorporação. A dúvida pode ser encontrada na questão de questionar para além da estruturação econômica e social do trabalho na Educação, procurando estabelecer uma nova crença que pode ser entendida como a inquirição de Charlot com relação ao saber, para além da visão unilateral ideológica como o autor nos explica no vídeo.
            Podemos dizer que a superação do autor é feita por incorporação, pois ele não deixa de considerar a escola inserida numa sociedade desigual e continua ratificando a erroneidade em considerar as desigualdades como “naturais” e o discurso ideológico da “natureza humana”: “Toda e qualquer afirmação acerca da educação que postula explícita ou implicitamente uma natureza da criança e, pior ainda, desigualdades naturais entre os seres humanos, não passa de um enunciado ideológico, inválido” (CHARLOT, 2013, p. 38). Outro ponto que explicita a superação por incorporação em Charlot é: “O problema a ser resolvido é o de pensar o ser humano ao mesmo tempo como membro de uma sociedade (com suas estruturas e suas desigualdades) e como sujeito insubstituível, sem recorrer à noção de “natureza humana”, nem ao conceito liberal de “indivíduo”, fontes de discursos mistificadores” (CHARLOT, 2013, p. 48).
            A dúvida em Peirce também instiga a ação, a inquietude, a inquirição, como já abordamos e esta mesma perspectiva também pode ser encontrada em Charlot quando problematiza: “A professora brasileira vive uma situação quase esquizofrênica. Por um lado, ela tem práticas basicamente tradicionais. Como poderiam ser outras, uma vez que a própria escola, ao fragmentar espaço e tempo e ao focar a avaliação individual, repetitiva e ritual dos alunos, impõe, de fato, práticas tradicionais?” (CHARLOT, 2013, p. 39). Esta pergunta necessariamente implica num debate e numa ação seja ela de manutenção da estruturação escolar formal atual ou não.
            Enfim, o pensamento dialético é perceptível tanto em Charlot quanto em Peirce e a dúvida encontra papel central em seus raciocínios. Trata-se de um movimento dialético que não é hermético à interferência dos múltiplos aspectos e processos que o constituem e tampouco maniqueísta na questão da aparente separação entre teoria e prática. Dessa forma, esta é uma reflexão de extrema potencialidade para o debate educacional e ao mesmo tempo a preocupação prática com a atividade docente.



Referências Bibliográficas:
CHARLOT, B. A mistificação pedagógica: as formas contemporâneas de um processo perene - prefácio à nova edição brasileira. In: _____. A mistificação pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na teoria da educação. São Paulo: Cortez, 2013. p. 33-50.
ENGELS, Friedrich. Dialética da Natureza. Lisboa/Rio de Janeiro: Presença/Martins Fontes, 1974.
MARX, Karl. O Capital  - Livro 1. México: Fuentes Cultural, 1945.
PEIRCE, Charles, S. Escritos Coligidos. Tradução de Armando Mora D’Oliveira e Sérgio Pomeranglum. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Os Pensadores).

PEIRCE, Charles, S. Semiótica e filosofia. Tradução de Octanny Silveira da Mota e Leônidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix, 1975.


PEIRCE, Charles S. A fixação da crença. Popular Science Monthly 12, pp. 1-15, 1877. Disponível em:< http://bocc.ubi.pt/pag/peirce-charles-fixacao-crenca.html> Último acesso: out. 2014.

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