terça-feira, 28 de outubro de 2014

Trabalho do dia 03 de outubro de 2014

Análise do texto de Bernard Charlot “A mistificação pedagógica: as formas contemporâneas de um processo perene - prefácio à nova edição brasileira. In: _____. A mistificação pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na teoria da educação”, a partir das noções de "crença" e "dúvida" e do "método científico (abdutivo-indutivo)" de Charles S. Peirce.

Rosilene Figueira Miranda


            Esse texto foi extraído de um livro escrito em 1975, e traduzido no Brasil em 1979. Teve uma excelente repercussão na França, e no Brasil se tornou obrigatória sua leitura nos cursos de licenciaturas em Pedagogia.
            No Brasil, em 1979, por ser um livro que apresentavam as ideias marxistas de forma mais aberta, a cerca de questões importantes para a pedagogia, num período em que a ditadura militar estava perdendo terreno, novos partidos políticos estavam sendo criados e alguns exilados estavam retornando ao país, teve uma ampla publicidade.
            O autor decide após 38 anos republicar o livro devido ao fato, principalmente, das transformações ocorridas a nível mundial, nas formas de militância, e pensamentos e reflexões marxistas, que se dirigiram a outros objetos de estudos, como a questão da subjetividade. Questão essa que Marx deixou de ter interesse.
            No entanto, apesar das mudanças duas teses amparadas no livro continuam atuais.
            A primeira tese está subentendida no subtítulo do livro Realidades sociais e processos ideológicos na teoria da educação, visto que há uma distância entre o discurso pedagógico e o que realmente acontece na prática pedagógica. A teoria aponta maneiras de guiar o aluno a se tornar um ser humano plenamente realizado, mas deixa uma lacuna no que diz respeito a ele pertencer a um meio social. Atrelada à primeira tese, a segunda, causou um impacto nos militantes pedagógicos, e deu margem a diversos debates.         Pois o olhar que eles tinham sobre “pedagogia nova”, baseado em diversos intelectuais da educação, esse livro a desmistifica, ao afirmar que não há uma “pedagogia nova”, diferente da tradicional, se não for levado em conta a realidade social da criança.
             O autor afirma que “ Uma mudança social fundamental requer uma pedagogia social, que ainda está por ser inventada”. Explica, ainda, que é necessário, não só uma Educação popular, mas um movimento popular sobre a Educação. Caso contrário, a Educação popular continuaria apenas no discurso, não haveria mudanças.
            O autor se baseia em analisar a concepção de Natureza nos discursos pedagógicos, e na sua interligação com a infância transmitida pela pedagogia.
            Para Charlot enquanto ficam debatendo temas filosóficos-religiosos, as escolas na prática continuam socialmente desiguais. Para ele o importante é uma pedagogia que toma para si a realidade social integrando-as e não somente disfarçando em temas de discursos. O homem é um ser social, e como tal, camuflar isso através de discursos não vai resolver o problema da educação, ao contrário, corre-se o risco de legitimá-la.
            Charlot faz um questionamento se após passar 34 anos da primeira publicação no Brasil, e agora reeditada, a argumentação abordada nele e a ideia da mistificação pedagógica ainda é válida. Para ele, no Brasil, as palavras pedagogia “tradicional” e “nova” perderam muito sua essência e passaram a ser mais rótulos do que conceitos analíticos.
            O autor afirma a grandes dificuldades que os professores brasileiros enfrentam, por acabarem forçados a terem práticas tradicionais nas escolas, e ao mesmo tempo precisam se declarar “construtivistas”. Nome novo na ideologia brasileira para a pedagogia “nova”. Alguns são incapazes de lutar por mudanças reais e silenciam, outros se mobilizam dentro dessa concepção “construtivista”, no entanto, dentro de um sistema tradicional. Por isso, o autor entende que seu livro ainda é atual.
            Charlot não se mostra contrário às contribuições da neurologia e da informática no processo de aprendizagem. Apenas teme que isso se torne outra mistificação. Principalmente no que diz respeito à “neuroeducação”, pois, segundo ele, pretendem “dar conta da educação por versões modernizadas da antiga ideia de natureza humana”. E sua outra preocupação em relação á uma forma de mistificação pedagógica é em relação à informática. Pois, há muitos que defendem a ideia de que os problemas de aprendizagem dos alunos podem ser solucionados dando a cada aluno um computador ou um tablete. E, nesse contexto, Charlot não nega seus valores pedagógicos em termos de contribuição, afirmando que possibilita ao professor e alunos a parte menos agradável do processo de aprendizagem: a transmissão-memorização.
            Charlot não faz crítica a modernidade científica e tecnológica, e sim na questão disso se tornar uma mistificação em relação à referência a uma natureza do homem.
            O autor argumenta, também, que houve uma reprodução das desigualdades sociais de uma geração para outra, sendo que a educação contribuiu para tal, acabaram por serem consideradas normais em todas as classes sociais. Não houve “igualdade de oportunidades”, como pensam a maioria, isso é uma ilusão, uma mistificação.
            Charlot afirma que há uma crença nos discursos ideológicos sobre as questões pedagógicas, e isso tem um distanciamento nas práticas pedagógicas no país, tanto dos que na realidade seguem os discursos “tradicionais”, tanto os que se dizem “construtivistas” (aqui sinônimo de pedagogia “nova”).
O que vemos hoje no sistema educacional brasileiro é que grande parte dos professores não instauram a dúvida, simplesmente acreditam e propagam, reproduzindo a desigualdade nas escolas.  E devido ao fato dessa crença estar arraigada na maioria dos profissionais da educação, não tendem, sequer para a dúvida, não há questionamentos em relação aos discursos pedagógicos, sejam eles de qualquer natureza. Essa crença gera uma comodidade, que faz com que não se levantem as dúvidas. A dúvida vai dar trabalho, vai exigir um processo de investigação, que pode proporcionar novas crenças e novas dúvidas, o que demandaria sair da situação cômoda em que se encontram. Teriam que começar a inquerir, usando o método científico abdutivo-dedutivo para embasar a investigações.


Referência

CHARLOT, B. A mistificação pedagógica: as formas contemporâneas de um processo perene - prefácio à nova edição brasileira. In: _____. A mistificação pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na teoria da educação. São Paulo: Cortez, 2013. p. 33-50.


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