terça-feira, 28 de outubro de 2014

Análise do texto de Bernard Charlot, a partir das noções de “crença” e “dúvida” e do “método científico (abdutivo-indutivo)” de Charles S. Peirce.





Análise do texto de Bernard Charlot, a partir das noções de “crença” e “dúvida” e do “método científico (abdutivo-indutivo)” de Charles S. Peirce.
Sidnei de Oliveira Sousa

No prefácio da edição brasileira de “A Mistificação pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na teoria da educação” publicada em 2013, Bernard Charlot chama a atenção para o fato de que, após 38 anos da publicação de sua obra, o mundo mudou e que ele mesmo também. Todavia, as duas teses fundamentais que sustentam o livro continuam bastante atuais. A primeira tese diz respeito ao abismo existente entre o discurso pedagógico e a realidade social, nesse sentido, o discurso pedagógico postula que a escola deve fazer com que a criança se torne um ser humano plenamente realizado, mas desconsidera nesse processo o contexto social a que esse indivíduo pertence.  A segunda tese se relaciona com a primeira e diz que embora atualmente o discurso pedagógico venha impregnado de termos como pedagogia “nova”, “ativa”, “construtivista” não difere muito da pedagogia convencional no tocante à importância conferida à realidade social das crianças. Dessa maneira, a pedagogia “nova” ou “progressista” pouco contribui para a emancipação social dos indivíduos e, consequentemente, para a diminuição das desigualdades sociais. Nesse sentido, Charlot acredita que uma mudança social necessita de uma pedagogia social que ainda não foi inventada. Para Charlot essa pedagogia social não se restringe à um movimento de estudiosos por uma educação social, mas deve abarcar, sobretudo, um movimento social ou popular sobre a Educação, sem o apoio do povo, o movimento de estudiosos, embora bem intencionado, esbarra na realidade da educação, sem transformá-la.
Para Charlot há uma crença nos discursos pedagógicos, sejam eles de natureza “tradicional” ou “construtivista”, de que o papel da educação se resume à evolução intelectual do indivíduo, fazendo referência à sua natureza humana e aos seus desdobramentos, essa crença está tão solidificada que não há espaço para o estado de dúvida. A crença, nesse caso, traz um estado de tranqüilidade e satisfação, há um apego à crença e a crer no que cremos (PEIRCE, 1975). Logo o estado de dúvida não é legitimado, não se faz a pergunta: A despeito das práticas pedagógicas, a escola com suas práticas está perpetuando desigualdades sociais?. A dúvida, para Peirce (1975), é um estado desagradável e incômodo, lutamos para nos libertar da dúvida e passar a um estado de crença mais confortável. Como o estado de crença já está instituído parece haver pouca disposição em se abrir para um estado de dúvida. A crença leva o homem a se comportar de determinada maneira em determinada ocasião, já a dúvida conduz a um esforço para atingir um estado de crença ou de nova crença sobre algo. Peirce (1975) chama esse esforço de investigação ou inquirição. Dessa maneira, quando nos dispomos a inquirir sobre algo, fazemos isso em razão de um estado de dúvida e não de crença. A crença em uma pedagogia que seja também social vem da inquirição, da necessidade em investigar as razões do porque saem da escola jovens que se sentem superiores por natureza e outros que se consideram pouco privilegiados intelectualmente.
O caminho da dúvida à formação de uma nova crença é a inquirição. Para tanto, o método científico (abdutivo-dedutivo) “pavimenta” esse caminho de investigação. Charlot, lembrando de sua trajetória como pesquisador, fala do insight que teve em 1975: a de que a lógica neoliberal impõe a divisão social como referencia básica no discurso sobre educação. Esse processo de abdução permitiu a Charlot relacionar elementos que antes não havia sido relacionados, ou seja, permitiu a ele se aprofundar no vínculo entre educação e desigualdades sociais a partir de uma perspectiva sociológica e histórica. Nesse período, Charlot buscava dar sentido ao que, para ele, era contraditório à teoria vigente, assim, pela dedução, Charlot situou sua problemática em uma esfera mais ampla de conhecimentos. Dessa forma, a partir de seu insight, Charlot, por ter uma postura de “observador teoricamente sensibilizado” termo proposto por Azanha (1992), mediante a indução, escreveu uma obra que além de analisar ou revelar o que os discursos pedagógicos falam ou calam, também denuncia e lança um olhar de indignação ao discurso pedagógico fatalista que mascara a desigualdade social como conseqüência natural e cultural.   

Referências

AZANHA, J.M.P. Uma idéia de pesquisa educacional. São Paulo: Editora da USP, 1992. Cap. 6, p. 143-163.
CHARLOT, B. A mistificação pedagógica: as formas contemporâneas de um processo perene - prefácio à nova edição brasileira. In: _____. A mistificação pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na teoria da educação. São Paulo: Cortez, 2013. p. 33-50.
PEIRCE. C. S. A fixação das crenças. In:_____. Semiótica e filosofia. São Paulo: Cultrix, Editora da USP, 1975. p. 71-92.

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