terça-feira, 7 de outubro de 2014

Encontro com o Professor Bernard Charlot

Encontro com o Professor Bernard Charlot
Vera Luísa de Sousa
No último dia 03 de outubro tivemos o prazer de ouvir o Professor Bernard Charlot por cerca de duas horas. Era o fim da tarde de uma sexta-feira e o Professor, apesar da voz cansada após intensa agenda, gentilmente atendeu ao pedido do Professor Mauro Betti para falar sobre sua trajetória na elaboração “d’A Mistificação Pedagógica”. Ficamos sabendo que o filósofo, de formação, escolheu trabalhar formando professores porque se incomodou, em sua primeira experiência profissional, com a distância entre a realidade da formação e a realidade da vida. Segundo o Professor Charlot, a formação expressa ideias e esconde a realidade ao se calar sobre as desigualdades sociais.
Em suas pesquisas o Professor percebeu que a mistificação do discurso pedagógico, sobretudo no que diz respeito à existência de uma suposta Natureza humana a ser ora lapidada, ora protegida serviu de sustentação tanto para a Pedagogia Tradicional, quanto para aquela que pretendeu substituí-la, a Pedagogia Nova. Não há dúvida de que esta última operou importante “ruptura cultural” em relação à primeira, contudo não conseguiu realizar a “ruptura social” necessária para se entender que o sentido da Pedagogia reside na sua correspondência com a realidade vivida pelos sujeitos, realidade onde grassam desigualdades sociais, preconceitos, corrupção política e outras facetas do que se pode denominar “mal”. Esta guinada da perspectiva ontológica para a ideia do sentido da Pedagogia é uma importante chave, que o Professor Charlot nos oferece, para a abertura de outras possibilidades e percepções no campo da Educação. Afinal, como diz o Professor, ainda que o ser humano possua um equipamento genético sua construção se dá na interação entre três tempos: o tempo longo da história da humanidade, o tempo médio da cultura e o tempo curto da história de vida de cada um. E nessas interações diferenças e desigualdades também vão sendo erigidas, por esta razão trazê-las para o debate é imprescindível para o processo de escolarização e de formação.
Charlot reafirmou o que havia dito no prefácio à nova edição brasileira de “A mistificação pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na teoria da educação”: a polarização entre Pedagogia Tradicional e Pedagogia Nova ainda se fazem presentes no discurso pedagógico atual. Por um lado, temos uma prática ainda hoje muito marcada pelos preceitos da Pedagogia Tradicional e, por outro lado, o discurso está construído sobre bases construtivistas mais aceitáveis pelo debate pedagógico.
O Professor também chama a atenção para a outra mistificação: a de que a informática e os estudos neurológicos são as respostas para os problemas educacionais. Ele não ignora os benefícios de uma e outro, especialmente no desenvolvimento de atividades mais técnicas, porém reafirma que sem a superação das mistificações relativas à prática e ao discurso pedagógico e a adoção de uma posição que considere as desigualdades sociais como fulcrais ao processo educativo provavelmente ficaremos patinando sobre velhas práticas maquiadas por “novos” discursos. Assim, tarefas essenciais da escola e do professor como despertar a curiosidade, apontar as contradições e fazer brotar questões, acabam sugadas pela ultrapassada prática de dar respostas.

Encerro com o desafio que nos foi lançado pelo Professor naquela tarde quente de sexta-feira: “Como transformar o significado em sentido?”. Afinal, me parece que é exatamente disto que se trata sua proposta: uma abertura para os caminhos do sentido, sem falseamentos e mistificações.

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